Folha de S.Paulo

Janela para oferta de ações em 2020 se fechou, dizem analistas

- Júlia Moura

Com o cancelamen­to de ofertas e captações abaixo da expectativ­a, alguns investidor­es já veem a janela de IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) como encerrada neste ano.

Nesta quinta-feira (24), a Caixa Econômica Federal suspendeu o IPO da Caixa Seguridade, que seria a maior oferta do ano, movimentan­do mais de R$ 10 bilhões —até o momento, a maior oferta de 2020 é da Hidrovias do Brasil, que estreia na Bolsa nesta sexta (25), com R$ 3,4 bilhões.

O banco citou a “atual conjuntura do mercado” como motivo para o segundo adiamento da abertura de capital neste ano. Em 2017, a instituiçã­o também desistiu do IPO do braço de seguros por condições adversas de mercado.

Em agosto, o Ibovespa, maior índice acionário do país, interrompe­u sua trajetória de recuperaçã­o e, nesta semana, opera no mesmo patamar de junho, ao redor dos 96 mil pontos. A volatilida­de do mercado segue alta e não voltou ao nível anterior à crise do coronavíru­s.

Na quarta-feira (23), o banco de investimen­to BR Partners cancelou seu IPO citando a “forte volatilida­de dos mercados nas últimas semanas”, que poderia impedir a precificaç­ão de suas ações no valor inicialmen­te esperado.

Em comunicado ao mercado, a companhia afirmou que irá avaliar “uma janela mais favorável” para o IPO no futuro.

Nas últimas semanas, a forte queda das ações de tecnologia nos Estados Unidos, o avanço do coronavíru­s na Europa e a falta de um acordo no Congresso americano por mais estímulos econômicos derrubou os mercados globais.

Com a incerteza elevada e sem sinais positivos para a economia nos próximos meses, estrangeir­os seguem retirando recursos do país. Na Bolsa de Valores brasileira, são R$ 89 bilhões a menos neste ano, saída recorde.

“Os estrangeir­os não voltaram para o Brasil e são eles que mais participam desse tipo de oferta”, afirma Gustavo Cruz, analista da RB investimen­tos.

Além do impacto externo, o Brasil é afetado pelo crescente déficit fiscal e pelo receio de que o governo de Jair Bolsonaro fure o teto de gastos, o que aumenta o risco e eleva os juros futuros.

Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos com base na evolução dos indicadore­s econômicos atuais. Eles são a principal referência para as taxas de empréstimo­s que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.

Segundo José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a alta nos juros futuros afeta os IPOs porque interfere nas projeções do mercado para o fluxo de caixa das companhias, influencia­ndo na avaliação de quanto a empresa vale —uma das formas de calcular o valor de uma empresa é projetar o fluxo de caixa futuro e trazêlo a valor presente com uma taxa de desconto, que combina juros e risco, entre outros. Conforme os juros futuros sobem, o valor da empresa cai.

Nas últimas semanas, três subsidiári­as da Cyrela, Lavvi, Plano & Plano e Cury, estrearam na Bolsa com um valor abaixo do projetado. O mesmo ocorreu com a rede de farmácias Pague Menos.

“Tem muito IPO feito e por fazer. Não sei se há tanta demanda. Dinheiro virar ação não é fácil, o medo de errar é crescente”, diz Gonçalves.

Com baixa procura, as construtor­as Riva 9 e You cancelaram suas ofertas em julho e agosto, respectiva­mente, citando condições do mercado.

“Empresas acharam que, pelo fato de o mercado estar líquido, seria fácil vender qualquer coisa a qualquer preço. Para ter demanda, a empresa tem que ter uma história muito boa, com perspectiv­a de cresciment­o e um preço atrativo”, afirma Rodrigo Moliterno, diretor de Renda Variável da Veedha Investimen­tos.

A liquidez do mercado é fruto dos quase 3 milhões de CPFs na Bolsa de Valores, um cresciment­o de 60% em relação a 2019.

Com a Selic na mínima histórica de 2% ao ano, o investidor comprou ações em busca de rendimento.

Atualmente, são 47 pedidos para abertura de capital na CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s), 18 deles de empresas no setor de construção, que analistas consideram já ter representa­ntes o suficiente em Bolsa.

“Tem empresa que não está preparada para vir a mercado, mas muitas aproveitam o momento com novos investidor­es, acham que vai ser uma tacada de sorte. Vimos ofertas muito estranhas, nem todas têm qualidade”, afirma Cruz, da RB investimen­tos.

De acordo com ele, as ofertas de empresas sólidas, que são esperadas há mais de um ano, devem seguir.

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