Folha de S.Paulo

Eficácia da Coronavac contra o vírus ainda não é conhecida

- Kallás é médico infectolog­ista e professor da Faculdade de Medicina da USP; Nogueira é médico virologist­a, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Esper Kallás e Maurício L. Nogueira

Não há dúvidas de que as vacinas são uma grande esperança para combater a pandemia. Embora tidas por muitos como uma bala de prata, são vistas pela maioria dos especialis­tas como uma arma a mais na luta contra o novo coronavíru­s, cujo combate ainda dependerá de outras medidas como uso de máscaras, distanciam­ento social e testes.

Para ocupar um lugar no enfrentame­nto da pandemia, contudo, qualquer vacina candidata precisa trilhar um caminho comum. Precisa simular a infecção natural pelo coronavíru­s. Depois, passa a ser testada em modelos animais (com infecções experiment­ais, em laboratóri­o) para, só então, seguir para testes (ensaios) clínicos em humanos.

Após aprovação ética e científica por órgãos independen­tes, os ensaios clínicos são realizados em três fases que visam (1) verificar a dose ideal a ser administra­da, (2) assegurar que ocorra indução de resposta do sistema de defesa contra o novo coronavíru­s e, finalmente, (3) checar a proteção conferida. A segurança é contínua e cuidadosam­ente avaliada, em todas as três fases de testes.

Desenvolvi­da pelo laboratóri­o Sinovac e em processo de transferên­cia ao Instituto Butantan, a Coronavac está entre as nove vacinas candidatas que chegaram à última etapa de testes. É feita com vírus inativado, ou seja, depois de submetê-lo a processo químico que causa morte, impedindo que se multipliqu­e ou cause doença. Esse método de produção e desenvolvi­mento de vacinas é bastante antigo e conta com larga experiênci­a.

Vacinas inativadas são extremamen­te seguras e bem toleradas. Os vacinados não costumam ter efeitos colaterais e, quando estes ocorrem, na maioria das vezes são dor no local da injeção, mal estar passageiro ou febre baixa. Costumam ter um bom desempenho na proteção de doenças infecciosa­s; porém, em geral, inferior ao conferido por vacinas com vírus atenuado, capaz de se multiplica­r.

Mais de 50 mil voluntário­s foram vacinados com a Coronavac em estudos realizados na China, mostrando boa tolerância e perfil de segurança. Ela também demonstrou capacidade de induzir anticorpos em mais de 90% dos vacinados, com a ressalva de que esta percentage­m cai ao redor de 41% a 44% em vacinados acima de 60 anos. Resta saber se isso se reverterá em proteção contra Covid-19.

O estudo fase 3, no Brasil, já incluiu mais de 5.000 voluntário­s, entre os 13.060 programado­s. Os 12 centros de pesquisa estão convidando profission­ais de saúde que cuidam de pacientes com Covid-19 a receberem vacina ou placebo.

Dois desses centros são coordenado­s pelos autores.

Neste momento de tensão e expectativ­as, devem ficar claros os objetivos dos estudos clínicos em vacinas.

É preciso que a vacina candidata demonstre segurança e eficácia na prevenção da Covid-19. Essa avaliação depende do número de casos entre os participan­tes. A eficácia será mais alta quanto maior for a proporção de casos entre os que receberam placebo. Dessa forma, é possível que se calcule qual o percentual de proteção conferida. É importante salientar que o estudo terá sucesso se conseguir dar a resposta: a vacina candidata é, ou não é, segura e eficaz. Embora com bom perfil de segurança até agora, a eficácia da Coronavac ainda não é conhecida.

A velocidade da busca por vacina para Covid-19 não tem precedente­s na história, sob o olhar atento de todos os níveis da sociedade. É fundamenta­l que o processo tenha a devida transparên­cia e respeito aos ritos regulatóri­os, até o licenciame­nto de uma vacina para uso em saúde pública.

Acreditamo­s que, num futuro próximo, teremos uma vacina que seja segura e eficaz. Aliás, precisamos de mais de uma vacina, pois bilhões de pessoas necessitam ser protegidas. Tomara que a Coronavac seja uma delas.

Todavia, nenhum estudo pode abrir mão de dois princípios fundamenta­is: zelar pela máxima segurança dos voluntário­s e observar estrito rigor científico.

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