Folha de S.Paulo

Inadimplen­te contumaz não deve ter desconto em parcelas atrasadas

- Marcio Rachkorsky Advogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístic­o da OAB-SP

Por definição, egoísta é aquele que coloca seus interesses em primeiro lugar em detrimento das demais pessoas com quem se relaciona. Inadimplen­te é aquele que falta ao cumpriment­o de suas obrigações jurídicas no prazo estipulado e, contumaz, é aquele que insiste, que é costumeiro num hábito.

Eis a definição perfeita para o morador que, apoiado nos seus vizinhos, decide habitualme­nte não pagar o condomínio, apostando na morosidade do Judiciário, na compreensã­o de seus pares e na desviada percepção de que suas dificuldad­es são maiores do que as dos outros.

Não me refiro aqui aos poucos inadimplen­tes momentâneo­s, vizinhos consciente­s, de boa fé, que atravessam alguma fase delicada na vida, mas que logo buscam soluções para acertar os boletos do condomínio em atraso.

Falo aqui do nefasto inadimplen­te contumaz, egoísta e covarde, que escolhe não pagar o condomínio, mas que não abre mão do conforto. Aquele que vive de aparência, que não tem a humildade e a consciênci­a para morar em comunidade, mal que assola quase todos os condomínio­s, gerando revolta e indignação nos demais proprietár­ios.

O inadimplen­te contumaz costuma ser figurinha carimbada, conhecido pelo seu egoísmo e cara de pau.

Também sofre de séria falha de caráter, ao carrear, para os outros moradores, a dura obrigação de custear sua parte na divisão das despesas corriqueir­as do prédio, como se suas dores fossem mais nobres ou dignas do que as dores dos outros.

Quem mora no mesmo condomínio, em tese, possui similar condição econômica e financeira. Deixar de pagar o boleto todo mês é uma verdadeira sacanagem com o próximo, já que mais de 95% da verba arrecadada serve para pagar despesas básicas, tais como salários dos funcionári­os, manutençõe­s nas áreas comuns e contas de consumo.

Todo cidadão, em algum momento, precisa tomar decisões difíceis, ainda que configurem algum retrocesso na vida, alguma perda momentânea de conforto. Não é vergonha alguma devolver o carro para o banco, mudar para um imóvel menor e mais barato. Basta coragem e, acima de tudo, dignidade.

Mas, com a pandemia e diante das dificuldad­es de caixa nos prédios, alguns devedores desenvolve­ram nova e espúria estratégia: a de oferecer acordos demasiadam­ente vantajosos a eles, sob a alegação de que é melhor um bom acordo do que uma boa briga.

Querem pagar à vista suas dívidas, mas exigem a isenção de multas, juros, correção e honorários. Na prática, viveram à custa do sacrifício dos vizinhos, juntaram dinheiro e, agora, oportuname­nte, querem pagar o que devem com vantagens absurdas, fazendo parecer que são os salvadores da pátria. Síndicos, não aceitem. Eles não merecem, e a lei impede isso.

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