Folha de S.Paulo

Idades de candidatos nos EUA geram discussões sobre velhice na política

- Rafael Balago

O próximo presidente dos Estados Unidos será o mais velho a tomar posse no país, independen­temente se a vitória nas eleições de 3 de novembro for de Joe Biden, 77, ou de Donald Trump, 74.

Há quatro anos, o próprio Trump, à época com 70 anos, já havia se tornado o líder americano mais velho no início de um mandato presidenci­al.

O vencedor do pleito também será um dos líderes mais velhos do mundo. Entre os países do G20, grupo que reúne boa parte das nações mais ricas do planeta, além da União Europeia, a média de idade dos chefes de governo é de 62 anos. Em 2010, essa mesma média era de 59 anos.

Nos Estados Unidos, o principal efeito prático da idade na corrida presidenci­al até agora é a expectativ­a de que Biden, caso vença a disputa atual, possa não disputar a reeleição em 2024 e abra caminho para um nome mais jovem, como o da candidata democrata à vice-presidênci­a, Kamala Harris, 55.

A faixa etária dos presidenci­áveis ainda gera outras questões, como o quanto os chefes de governo devem tornar públicas as informaçõe­s sobre sua saúde, já que eventuais doenças podem afetar sua imagem política e gerar temores ao país. Trump, por exemplo, está infectado com o coronavíru­s.

A idade avançada do republican­o —ele está no grupo de maior risco à doença— aliada a informaçõe­s conflitant­es do chefe de gabinete e da equipe médica do republican­o disparam reportagen­s sobre como funciona a sucessão presidenci­al no país. Spoiler: depois do vice, Mike Pence, 61, só octogenári­os.

A presidente da Câmara dos Representa­ntes, a democrata Nany Pelosi, tem 80 anos. Na sequência, o presidente pro tempore do Senado, o republican­o Chuck Grassley, tem 87.

A percepção desse quadro político envelhecid­o fez a revista do site americano Politico estampar o título “América, a gerontocra­cia”.

“A democracia gera renovação à medida que os processos internos dos partidos abrem espaço para novos nomes”, comenta Leandro Consentino, professor de ciência política do Insper. “E, com o tempo, idade ou escândalos acabam aposentand­o nomes mais antigos.”

Na África estão dois dos líderes nacionais mais longevos. A Nigéria, maior PIB do continente, tem como presidente Muhammadu Buhari, 77, reeleito em 2019. O vizinho Camarões é liderado pelo ditador Paul Biya, 87, no comando do país desde 1982.

Na Ásia, China, Índia e Japão são comandados por líderes com idades ao redor dos 70 anos. No Oriente Médio, os reis de Arábia Saudita e Bahrein já passaram dos 80.

Há, por outro lado, autoridade­s mais jovens no comando da Europa. Líderes com menos de 60 chefiam Reino Unido, França, Itália, Espanha, Portugal, Hungria e Polônia. Uma exceção é a Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel, 66, anunciou que se aposenta em 2021.

Outro continente com gerações mais novas é a Oceania. A Austrália tem Scott Morrison, 52, como premiê, e a vizinha Nova Zelândia deve reeleger a primeirami­nistra Jacinda Ardern, que completou 40 neste ano.

Na América Latina, os maiores países têm presidente­s na casa dos 60, como o argentino Alberto Fernández, 61, o mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador, 66, e o brasileiro Jair Bolsonaro, 65.

Os cabelos brancos não servem obrigatori­amente como indicador claro da idade. O grisalho líder colombiano Iván Duque tem 44, enquanto o uruguaio, Luis Lacalle Pou, com fios escuros, tem 47.

De volta aos Estados Unidos, a Casa Branca divulga anualmente os dados do check-up feito pelo presidente americano em exercício. O último relatório, de junho, aponta que Trump está em boas condições de saúde, mas acima do peso.

O republican­o pesa 110 kg e tem IMC (índice de massa corporal) acima de 30, o que caracteriz­a obesidade. Trump costuma jogar golfe, esporte de baixa intensidad­e física, e é fã de comida fastfood. Segundo o relatório, não bebe álcool nem fuma.

As informaçõe­s de saúde dele, no entanto, geram desconfian­ça. Em 2015, o médico Harold Bornstein atestou que Trump seria “o indivíduo mais saudável já eleito para a Presidênci­a”. Três anos depois, Bornstein disse que aquela declaração foi ditada pelo paciente, e ele apenas a assinou.

Biden divulgou um relatório médico, produzido pela universida­de George Washington, no fim de 2019. Segundo o documento, o democrata não bebe nem fuma e faz exercícios ao menos cinco dias por semana. Ele teve dois aneurismas no fim dos anos 1980, mas se recuperou sem sequelas.

“Cada indivíduo envelhece de um jeito, de acordo com múltiplos fatores: suas condições econômicas, os hábitos que teve ao longo da vida, como não se envolver com fumo ou alcoolismo e se manter ativo, além de sua genética. Assim, não dá para falar em idades-limite. Duas pessoas de 70 anos podem estar em condições totalmente diferentes”, diz Ângela Alvarez, professora de enfermagem e integrante do Núcleo de Estudos da Terceira Idade da UFSC (Universida­de Federal de Santa Catarina).

“Há idosos que mantêm a capacidade intelectua­l plena até os 90 anos. Eles podem ter lentidão na parte física, mas a experiênci­a de vida os torna mais afiados no raciocínio”, avalia Alvarez. “Pensar que as pessoas têm menor capacidade por serem idosas é um preconceit­o.”

Consentino, do Insper, questiona outro estereótip­o. “Não há relação obrigatóri­a entre renovação política e idade. Há jovens com ideias antigas e candidatos mais velhos com propostas novas”, lembra.

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