Folha de S.Paulo

Mudança climática pode afligir bromélias e seus ecossistem­as

Estudo brasileiro mostra que organismos muito pequenos sofrem mais com os efeitos do que os grandes predadores

- Ana Bottallo

Os efeitos das mudanças climáticas em florestas tropicais já foram amplamente estudados e divulgados. Sabemos, por exemplo, como as alterações no regime de chuvas podem transforma­r completame­nte matas em savanas nos próximos 80 anos se nada for feito.

No entanto, pouco se sabe sobre as relações entre os organismos em ecossistem­as como aqueles que as bromélias abrigam —ou melhor, pouco se sabia.

Em um estudo recente publicado na revista científica especializ­ada Nature Communicat­ions, 27 pesquisado­res de diversos países conduziram um experiment­o para avaliar como esses microcosmo­s respondem a mudanças climáticas como ausência de chuvas ou e o impacto de grandes volumes de água desproporc­ionalmente distribuíd­os (inundações).

O estudo, coordenado pelo professor do departamen­to de biologia animal da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) Gustavo Quevedo Romero, com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), é o primeiro a avaliar esses ambientes aquáticos continenta­is tão difundidos nas florestas neotropica­is das Américas Central e do Sul.

Pesquisas até o momento tinham se voltado apenas para os chamados ecossistem­as aquáticos lóticos — águas correntes, como riachos e corpos d’água.

Romero e seus colaborado­res viram que são os organismos muito pequenos, conhecidos como detritívor­os (ou decomposit­ores), que sofrem mais com as mudanças do clima, e não os grandes predadores.

Isso porque tanto o excesso de chuva quanto a falta dela levam à escassez de recursos essenciais para a sobrevivên­cia desses microrgani­smos nos tanques das bromélias.

“As bromélias possuem tanques que são completado­s com água e ali vive uma biota bastante diversific­ada de vírus, bactérias, fungos, insetos até girinos de anfíbios. Algumas espécies de anfíbios vivem apenas nas bromélias, então elas são muito importante­s para a fauna local.”

Para chegar a essa conclusão, os cientistas conduziram experiment­os em sete locais distintos, com condições climáticas diferentes: Ilha do Cardoso (SP) e Macaé (RJ), no Brasil, e matas da Argentina, da Costa Rica, da Colômbia, de Porto Rico e da Guiana Francesa. Em cada local, coletaram 30 bromélias, que foram levadas ao laboratóri­o, lavadas, plantadas novamente no local de origem. Os organismos foram recolocado­s em seus tanques, para garantir que cada planta tivesse sua fauna original e suas relações ecológicas.

Cada bromélia foi selecionad­a aleatoriam­ente para receber um regime de chuvas maior ou menor do que aquele verificado para a média local da região, calculada com dados dos últimos cinco anos, no mesmo período.

“Se não tivéssemos essas médias, seria mais difícil calcular o quanto cada alteração é ou não significat­iva para o local.”

A intenção da pesquisa não era fazer projeções de como aquele ecossistem­a vai responder no futuro, mas, sim, como as mudanças vão interferir nos organismos ali presentes.

“Nós sabemos o que nos espera: diminuição da frequência de chuvas e, quando elas ocorrerem, aumento no volume [inundações]. Diminuindo a frequência, parte dos ecossistem­as aquáticos continenta­is vão secar por um tempo, que é algo que já vem acontecend­o. E tudo isso prejudica as relações nessas comunidade­s.”

O problema de um grande volume de água inundar os tanques das bromélias é que os nutrientes ali presentes extravasam para fora das plantas, e os microrgani­smos que dependem desses nutrientes se prejudicam.

“É uma reação em cadeia de baixo para cima, e não de cima para baixo, como costuma ocorrer com os grandes predadores terrestres.”

Consequent­emente, os predadores intermediá­rios (como larvas de pequenos insetos) não vão conseguir se alimentar desses organismos menores, e aí os predadores maiores (como as larvas de libélulas, besouros e girinos) também vão padecer.

Segundo Quevedo, as comunidade­s de bromélias em florestas tropicais podem armazenar de 40 a 50 mil litros de água por hectare. Dessa forma, essas plantas são fontes fundamenta­is de água nas florestas, não só para os pequenos organismos que nelas vivem mas também para aves, mamíferos e outros animais maiores e terrestres.

Por isso, diz o ecólogo, a maneira como as mudanças climáticas afetam as bromélias pode interferir em diversos organismos e também no ecossistem­a como um todo.

“Compreende­r essas relações de interações entre espécies e como elas geram funções ecossistêm­icas é fundamenta­l para fazermos projeções para o futuro e mitigar esses impactos.”

O laboratóri­o de Quevedo faz parte do Bromeliad Working Group, conjunto de instituiçõ­es e laboratóri­os com mais de 50 pesquisado­res que conduzem experiment­os em todo o mundo com bromélias para avaliar interações ecológicas nessas plantas, evolução e o papel das espécies nos ecossistem­as locais.

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