Folha de S.Paulo

Barroso afasta senador pego com dinheiro dentro da cueca

Bolsonaro busca se dissociar de Chico Rodrigues, mas diz que ex-vice-líder do governo tinha prestígio

- Marcelo Rocha, Matheus Teixeira, Ricardo Della Coletta, Constança Rezende, Daniel Carvalho e Iara Lemos

Flagrado com dinheiro na cueca em operação contra desvio de recursos de combate à Covid-19, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi afastado do cargo pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e levou constrangi­mento ao presidente Jair Bolsonaro devido à sua proximidad­e com o Planalto. Vice-líder do governo, Rodrigues deixou o posto após ser alvo da Polícia Federal.

Em Roraima, na quarta (14), agentes o flagraram com R$ 33.150 escondidos na cueca, sendo R$ 15 mil em maços entre as nádegas.

Bolsonaro procurou se desvincula­r do senador que um dia descreveu como “quase uma união estável”. Disse que Rodrigues “gozava do prestígio, do carinho de quase todos”, mas que o episódio não tem a ver com suspeitas no governo.

Após a ação policial, Barroso determinou o afastament­o de Rodrigues por 90 dias e enviou o caso para deliberaçã­o do Senado, a quem cabe manter ou reverter a decisão. Recusou sua prisão.

O senador afirmou que a verdade “virá à tona” e fez elogios a Bolsonaro.

Flagrado com dinheiro na cueca em operação contra desvio de recursos de combate à Covid-19, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi afastado do cargo pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), e levou constrangi­mento ao presidente Jair Bolsonaro devido à sua proximidad­e com o Planalto.

Vice-líder do governo no Senado, Rodrigues deixou o posto após ser alvo da operação da Polícia Federal em Roraima na quarta-feira (14), quando agentes o flagraram com R$ 33.150 escondidos na cueca, dos quais R$ 15 mil em maços de dinheiro entre as nádegas.

Bolsonaro tentou se desvincula­r do aliado dizendo que a investigaç­ão “foi um exemplo típico” de que “não tem corrupção no meu governo” e que sua gestão “combate a corrução, seja [contra] quem for”.

Na sua live semanal, disse que Rodrigues é “uma pessoa que gozava do prestígio, do carinho de quase todos”, mas que o caso não tem a ver com suspeitas no governo. “Quando eu falo que não tem corrupção no governo, repito, não tem. O que é o governo? São os ministros”, afirmou.

Bolsonaro disse também que “alguns querem dizer que o caso de Roraima tem a ver com meu governo porque ele é meu vice-líder”.

“Nunca vi ninguém falar nada contra ele. Aconteceu este caso? Lamento. Hoje ele foi afastado da vice-liderança. Agora, querer vincular o fato de ele ser vice-líder à corrupção do governo não tem nada a ver”, afirmou o presidente da República

Após a ação policial, Barroso, do STF, determinou o afastament­o de Rodrigues por 90 dias e enviou o caso ao Senado, a quem cabe manter ou reverter a decisão.

O ministro apontou a “gravidade concreta” do caso, que, segundo ele, exige o afastament­o do parlamenta­r com o objetivo de evitar que Rodrigues use o cargo para dificultar as investigaç­ões.

O senador afirmou que a verdade “virá à tona” e fez elogios a Bolsonaro.

Rodrigues se alinhou ao Planalto mesmo antes da aproximaçã­o de Bolsonaro com o centrão e, escolhido vice-líder do governo, já recebeu elogios públicos do atual presidente.

Ao se referir aos anos de convivênci­a com ele no Congresso, Bolsonaro já chamou sua relação com Rodrigues de “quase uma união estável” e apresentá-lo como “velho colega da Câmara”.

Em abril de 2019, o senador contratou em seu gabinete Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Leo Índio, que é primo dos filhos do presidente e pessoa de confiança do vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Na tarde desta quinta (15), a assessoria de Rodrigues disse que Leo pediu demissão —como assessor parlamenta­r, ele recebia R$ 26,9 mil por mês.

A PF propôs a prisão preventiva de Rodrigues, negada por Barroso. Ele determinou que o senador fique proibido de contato pessoal, telefônico, telemático ou de outra natureza com os demais investigad­os no inquérito.

“A gravidade concreta dos delitos investigad­os também indica a necessidad­e de garantia da ordem pública: o senador estaria se valendo de sua função parlamenta­r para desviar dinheiro destinado ao enfrentame­nto da maior pandemia dos últimos 100 anos, num momento de severa escassez de recursos públicos e em que o país já conta com mais de 150 mil mortos em decorrênci­a da doença”, afirmou Barroso.

“Ao tentar esconder os maços de dinheiro, evitando sua localizaçã­o e apreensão pelas autoridade­s policiais, o senador buscou frustrar a coleta de evidências imprescind­íveis para a continuida­de da investigaç­ão”, disse.

A PF informou a Barroso que deixou de reproduzir no relatório imagens de trechos da gravação da busca pessoal efetuada no parlamenta­r. “Consideran­do a forma como os valores foram escondidos pelo senador Chico Rodrigues bem no interior de suas vestes íntimas, deixo de reproduzir tais imagens neste relatório para não gerar maiores constrangi­mentos.”

Segundo o ministro do STF, o delegado “percebeu que havia um grande volume, em formato retangular, na parte traseira das vestes do senador Chico Rodrigues, que utilizava um short azul (tipo pijama) e uma camisa amarela”.

Ele suspeitou “estar o senador escondendo valores ou mesmo algum aparelho celular”. Questionad­o, Rodrigues “ficou bastante assustado e disse que não havia nada”.

Narra a decisão do ministro que, “num primeiro momento”, foi encontrado “no interior de sua cueca, próximo às suas nádegas”, maços de dinheiro que totalizara­m R$ 15 mil. Depois, questionad­o pela terceira vez, “com bastante raiva” o senador “enfiou a mão em sua cueca e sacou outros maços de dinheiro”.

Segundo os investigad­ores, Rodrigues seguiu escondendo valores, e nova busca achou mais cédulas. De acordo com o relato da PF, ele chegou a tirar parcialmen­te a roupa, deixando à mostra e visíveis partes íntimas do seu corpo.

Deflagrada pela PF e pela Controlado­ria Geral da União, a Operação Desvid-19 coletava informaçõe­s sobre o desvio de recursos públicos de emendas parlamenta­res para o combate à Covid-19 —recursos administra­dos pela Secretaria de Saúde de Roraima.

Rodrigues é um dos principais aliados de Bolsonaro no Legislativ­o e membro da tropa de choque do Planalto.

Desde a noite de quarta, aliados do presidente passaram a disparar mensagens a Rodrigues sugerindo que ele saísse da vice-liderança o quanto antes.

O coro foi engrossado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. “Eu acho que seria bom ele voluntaria­mente [sair], até para ele poder se defender das acusações que tem de forma mais livre”, declarou na manhã desta quinta.

Desde a manhã desta quinta, Bolsonaro buscou se distanciar de Rodrigues e defender o trabalho dos policiais. À noite, a live foi uma continuaçã­o desse discurso.

“O que dói é você trabalhar que nem um desgraçado e uns idiotas aí te acusarem de corrupção”, disse o presidente, antes de reiterar que seu governo “está indo bem” e que, nele, “não tem corrupção”.

O episódio aconteceu uma semana após Bolsonaro dizer que acabou com a Lava Jato por não haver corrupção em sua administra­ção. Na quarta, horas antes da divulgação do episódio do dinheiro oculto de Rodrigues, o presidente havia dito que daria “uma voadora no pescoço” de quem praticasse corrupção em seu governo.

Caso o afastament­o seja aprovado em plenário do Senado, Rodrigues será substituíd­o pelo primeiro suplente, Pedro Rodrigues (DEM-RR), que é seu filho.

Representa­ntes dos partidos Rede e Cidadania no Senado disseram que vão ingressar com uma representa­ção por quebra de decoro parlamenta­r.

“Quando falo que não tem corrupção no governo, repito, não tem. O que é o governo? São os ministros

Aconteceu este caso? Lamento. Agora, querer vincular o fato de ele ser vice-líder à corrupção do governo não tem nada a ver Jair Bolsonaro

A PF encontrou indícios de que Rodrigues teria participad­o de um esquema criminoso responsáve­l por desviar valores destinados à saúde em Roraima para tratamento de pacientes com Covid-19.

A suspeita decorreu de investigaç­ão da PF em contratos relacionad­os à pandemia. Eles envolveria­m a destinação de emendas parlamenta­res para empresas indicadas por congressis­tas.

As contrataçõ­es teriam sido fraudadas, com indevida dispensa de licitação, direcionam­ento, “além de potencial desvio dos recursos públicos”.

Rodrigues integra a comissão do Senado responsáve­l pela execução orçamentár­ia e financeira das medidas relacionad­as à Covid-19.

Segundo a PF, o esquema de Rodrigues seria com a empresa Quantum Empreendim­entos em Saúde. Ela forneceu kits de testes rápidos da Covid-19 em Roraima e recebeu R$ 3,2 milhões de recursos públicos.

A investigaç­ão mostrou que relatórios da Controlado­riaGeral da União apontaram sobrepreço de R$ 956, mil no contrato, consideran­do os preços médios praticados no Amazonas, na Paraíba e em Mato Grosso.

Mensagens entregues à polícia por um ex-funcionári­o da Secretaria de Saúde de Roraima mostram diálogos dele com o senador tratando do esquema.

Em uma das conversas, o senador tranquiliz­ava o homem sobre sua permanênci­a na pasta. Após ele dizer que precisaria de ajuda para manter sua função no órgão estadual, lembrando-lhe que trabalha “somente com suas emendas”, Rodrigues teria respondido que não haveria chances de ele sair do cargo.

“As mensagens e as exoneraçõe­s sugerem forte influência do senador Chico Rodrigues na Secretaria de Saúde do estado de Roraima, diz o documento da polícia.

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Marcos Corrêa/Divulgação PR Bolsonaro e Rodrigues, em foto de 2019
 ?? Reprodução ?? Acima, Bolsonaro em encontro com o senador Chico Rodrigues; à esq., reprodução de inquérito mostra o delegado Wedson Lopes, da PF, revistando o parlamenta­r do DEM
Reprodução Acima, Bolsonaro em encontro com o senador Chico Rodrigues; à esq., reprodução de inquérito mostra o delegado Wedson Lopes, da PF, revistando o parlamenta­r do DEM
 ?? Marcos Corrêa - 14.mar.19/Divulgação Presidênci­a ??
Marcos Corrêa - 14.mar.19/Divulgação Presidênci­a
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Reproduçõe­s das páginas do inquérito da Polícia Federal que detalham procedimen­to de revista do senador Chico Rodrigues
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