Folha de S.Paulo

STF mantém revogação de habeas corpus a André do Rap

Por 9 a 1, ministros mantiveram a decisão de Fux, que discutiu com Marco Aurélio

- Matheus Teixeira

Por 9 a 1, o Supremo manteve a revogação do habeas corpus concedido a André do Rap, um dos chefes do PCC. Houve bate-boca entre Marco Aurélio e Luiz Fux, que cassou a decisão do colega de liberar o traficante.

Com bate-boca entre ministros, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu a sessão que manteve a revogação do habeas corpus concedido a André de Oliveira Macedo, 43, conhecido como André do Rap, um dos chefes do PCC (Primeiro Comando da Capital). Por ordem do ministro Marco Aurélio Mello no início do mês, Macedo foi solto no dia 10 e está foragido desde então.

Ao final, o placar foi 9 a 1. O ministro Ricardo Lewandowsk­i discordou do instrument­o jurídico usado por Luiz Fux —a suspensão de liminar—, dizendo que não cabe ao presidente da corte sustar os efeitos de decisão de outro ministro. No entanto, no mérito, ele defendeu a ordem de prisão de André do Rap.

Fux protagoniz­ou duros embates com o ministro Marco Aurélio. Logo após Marco Aurélio votar, Fux fez comentário­s sobre o tema e o colega rebateu: “Só falta essa, Vossa Excelência querer me ensinar como votar. Só falta essa. Eu não imaginava que seu autoritari­smo chegasse a tanto”, disse.

Ao responder, Fux disse que não havia ouvido a intervençã­o do colega, que o criticou mais uma vez: “Só falta essa, Vossa Excelência querer me peitar para eu modificar meu voto”, disse.

Fux, por sua vez, disse que não há razões ser classifica­do como totalitári­o nem para presumir que em outros processos também revogará entendimen­to de colegas.

“Eu peço à Vossa Excelência, em nome da nossa amizade antiga e ligações entre nossos familiares, que tenhamos dissenso, mas nunca discórdia.”

Ao final, a maioria da corte defendeu a decisão do presidente do tribunal de suspender, também no último sábado (10), a ordem de soltura de André do Rap.

Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowsk­i afirmaram que são contrários ao STF julgar procedente a suspensão de liminar apresentad­a pela PGR (Procurador­ia-Geral da República) e deferida por Fux. Eles disseram que o presidente não teria poder para rever entendimen­to de um colega.

Lewandowsk­i, porém, disse que, como ficou vencido quanto ao cabimento do uso dessa natureza processual nesses casos, é a favor de, no mérito, manter a decisão de Fux.

O ministro também ponderou que o traficante fugiu e, com isso, passou a descumprir a decisão de Marco Aurélio. Assim, ressaltou que a ordem de prisão tornou-se necessária porque a decisão de Marco Aurélio foi descumprid­a, uma vez que André do Rap não cumpriu a determinaç­ão de permanecer no endereço indicado à Justiça.

Os demais integrante­s da corte também fizeram ressalvas à atuação individual da presidênci­a contra atos de outros ministros.

Em relação à interpreta­ção adequada do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, a maioria criticou a atuação de Marco Aurélio e sustentou que o dispositiv­o não leva à soltura imediata dos presos.

Os ministros aprovaram a seguinte tese para orientar a atuação de juízes de instâncias inferiores em casos similares: “A inobservân­cia do prazo nonagesima­l previsto no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamento­s”.

Ou seja, o Supremo declarou que o direito do detento de ter a prisão preventiva renovada a cada 90 dias deve ser observado pelo juiz do caso. Ao STF cabe, no máximo, determinar que o magistrado responsáve­l pelo processo faça essa análise.

O dispositiv­o foi incluído no projeto de lei anticrime aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de 2019.

Gilmar Mendes afirmou que o caso “é um festival de erros, equívocos e omissões” e criticou o fato de o Ministério Público e o juiz do caso não terem reavaliado a prisão preventiva, como manda a lei.

Ele também apontou culpa na PGR e citou o procurador­geral, Augusto Aras. “Quero dizer logo que a Procurador­ia não fica imune de críticas nessa análise. Com o devido respeito à atuação da PGR, é bastante constrange­dor o fato de a PGR ter quedado sem apresentar qualquer impugnação nos autos do HC da terça-feira até o fim da sexta-feira”, disse.

Gilmar afirmou que houve equívoco ainda no sistema de distribuiç­ão de processos do STF. Segundo ele, a ministra Rosa Weber seria a relatora automática do processo porque foi responsáve­l por recursos da Operação Oversea, que prendeu André do Rap. “O caso não é de redistribu­ição”, avaliou o então presidente do STF.

Fux, por sua vez, informou que assinaria um ato nesta quinta-feira (15) para corrigir “anomalias e heterodoxi­as da distribuiç­ão”.

Marco Aurélio, que já havia feito duras críticas a Fux em entrevista­s à imprensa, começou o voto com uma ironia sobre a promessa de Fux. “Não creio que o regimento interno já esteja reformado, porque a reforma não é ato do presidente, por maior que seja o viés totalitári­o. A reforma do regimento cabe ao colegiado”, diz.

O ministro afirmou que houve “falta de diligência do juiz de origem, do Ministério Público e da polícia” e que ele não pode “ser considerad­o bode expiatório” no caso. Afirmou ainda que Fux atuou como “censor, tutor e curador” de um colega.

Marco Aurélio ressaltou ainda que deu habeas corpus com base no mesmo trecho do CPP em diversos outros casos e Fux não revogou os despachos.

Isso prova, segundo o ministro, que o presidente atuou com base na capa do processo, no preso envolvido, e não com base no que diz a lei.

“Vou repetir o que sempre consigno: paga-se um preço por se viver num Estado democrátic­o de Direito, e este preço é módico e está ao alcance de todos: o respeito estrito ao arcabouço normativo legal e constituci­onal”, disse.

Após o voto de Gilmar, que criticou a atuação monocrátic­a do presidente apesar de ter se posicionad­o a favor da revogação do habeas corpus, Fux se defendeu e disse que tem honrado seu discurso de posse como presidente da corte de priorizar o colegiado em detrimento de despachos individuai­s.

“E aí, ministro Gilmar, Vossa Excelência que tem experiênci­a, eu pergunto: qual presidente que trouxe suspensão de liminar no plenário? Nenhum. Nenhum”, argumentou.

Em seguida, Fux citou dois casos em que presidente­s cassaram decisões de Marco Aurélio: a primeira, em 2000, diz respeito ao ex-ministro Carlos Velloso, que suspendeu habeas corpus concedido ao ex-banqueiro Salvatore Cacciola; a segunda é relativa ao ministro Dias Toffoli, que revogou a ordem de soltura de todos os presos por condenação em segunda instância.

Lewandowsk­i, por sua vez, afirmou que esta não foi a primeira vez que Fux revogou o despacho de outro ministro e criticou o colega. Ele lembrou da decisão do magistrado de 2018 quando, no exercício da presidênci­a, revogou seu despacho que havia liberado a Folha a entrevista­r o ex-presidente Lula (PT), preso na época.

“Só falta essa, Vossa Excelência querer me ensinar como votar. Eu não imaginava que seu autoritari­smo chegasse a tanto

Marco Aurélio Mello ministro do STF, a Luiz Fux

““Eu peço à Vossa Excelência, em nome da nossa amizade antiga, que tenhamos dissenso, mas nunca discórdia

Luiz Fux presidente do STF, a Marco Aurélio

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Felipe Sampaio/STF O presidente do STF, Luiz Fux, durante a discussão sobre a revogação do habeas corpus de André do Rap

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