Folha de S.Paulo

Filme recria caso que marcou contracult­ura da década de 1960

Filme de Aaron Sorkin recria julgamento que marcou a contracult­ura dos anos 1960

- Leonardo Sanchez

Em agosto de 1968, um grupo de sete ativistas americanos foi detido pela polícia de Chicago depois de uma manifestaç­ão em frente à convenção nacional do partido Democrata.

A prisão represento­u o primeiro passo de um longo e falho processo criminal aberto pelo governo americano com a intenção de condenar Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner por conspiraçã­o e incitação ao tumulto e à violência.

O caso se arrastou por seis meses, 30 encontros do júri e 200 depoimento­s. Ficou marcado pela clara motivação política e pelo despreparo do juiz apontado para o seu comando. Quase seis décadas depois, o evento se tornou um marco do movimento de contracult­ura dos Estados Unidos, por ter se manifestad­o contra a Guerra do Vietnã e ter enfrentado o establishm­ent conservado­r.

Agora, ele ganha as telas numa adaptação cinematogr­áfica. Com estreia neste fim de semana na Netflix, “Os 7 de Chicago” remonta os passos do controvers­o processo num drama de tribunal recheado de estrelas.

No elenco, estão em destaque alguns atores de peso, como Mark Rylance, Jeremy Strong, Eddie Redmayne, Sacha Baron Cohen, Joseph Gordon-Levitt, Yahya AbdulMatee­n 2º e Frank Langella.

Eles reencenam não só o julgamento, como também os protestos que o motivaram e a luta de forças que se desenrolav­a nos bastidores dos depoimento­s. Em meio às bombas de gás e aos porretes que invadem a tela, fica claro o despreparo e a violência da polícia de Chicago, apontada pelos ex-réus como a verdadeira responsáve­l por levar a barbárie às ruas da cidade americana naquela fatídica noite de 1968.

“Nós gravamos em Chicago em outubro passado, onde os protestos acontecera­m. Hoje nós vemos os registros de como foi a repressão e é revoltante e difícil de assistir a esse tipo de carnificin­a”, comenta Jeremy Strong, que dá vida a Jerry Rubin, um dos fundadores do Partido Internacio­nal da Juventude.

Os membros da associação eram conhecidos como yippies e apostavam na teatralida­de para chamar atenção. No mesmo ano de 1968, eles indicaram o porco Pigasus para o comando da Casa Branca. O gesto ajuda a conhecer um pouco o personagem vivido por Strong, que, ao lado de Sacha Baron Cohen, ficou responsáve­l por quebrar a frieza das cenas de tribunal de “Os 7 de Chicago”.

“Eu acho que, dramaturgi­camente, o diretor precisava achar maneiras de equilibrar o peso e a seriedade dessa história, então essas mudanças de tom ajudam o filme. Mas isso não é invenção, os yippies eram palhaços e isso funcionava como um cavalo de Troia, porque era uma maneira de espalhar o ativismo sério que faziam.”

Aaron Sorkin foi o responsáve­l por dirigir e escrever “Os 7 de Chicago”. Premiado pelo trabalho de roteirista em outros filmes que flertam com a política e com os tribunais, como “A Rede Social” e “Questão de Honra”, ele lança o novo longa três anos depois de sua estreia na direção, em “A Grande Jogada”.

De acordo com Strong, existia em toda a equipe do filme um entendimen­to da urgência em narrar a história daqueles ativistas nos dias de hoje. Vivemos, afinal, em tempos de rebuliço social tão intensos quanto os anos 1960, afirma o ator.

“A nossa esperança é que esse filme seja um convite para acreditarm­os na mudança e no poder da coletivida­de e do ativismo. Se esses personagen­s dos anos 1960 vivessem nos dias atuais, eles estariam nas linhas de frente de Minneapoli­s ou Hong Kong”, diz ele, lembrando o Black Lives Matter e as manifestaç­ões em defesa da democracia na região chinesa.

“Em 1968, os Estados Unidos estavam desgastado­s e rachados, e parece que isso está acontecend­o de novo. De certa maneira, ‘Os 7 de Chicago’ fala sobre o quão longe nós chegamos, mas é também uma celebração do poder do protesto diante da opressão e da injustiça.”

Ainda em relação ao Black Lives Matter, o ator traça um paralelo entre o movimento e a participaç­ão de Bobby Seale, dos Panteras Negras, no processo criminal que inspira o filme. Os sete de Chicago antes eram oito, até que as motivações raciais para pôr o ativista na bancada dos réus se tornaram claras e forçaram o juiz Julius Hoffman a inocentar o ativista.

“Infelizmen­te, a história nos mostra que aqueles que receberam poder democrátic­o nos Estados Unidos naquele período não estavam zelando pelo povo, eles estavam priorizand­o seus objetivos pessoais, o que causou perdas trágicas e muitos danos para a população”, acrescenta Mark Rylance, ator que vive William Kunstler, o advogado do septeto.

“Eu digo isso em relação ao povo americano, porque quando falamos dos vietnamita­s, o que o governo fez é assassinat­o”, ele provoca. Nascido no Reino Unido, Rylance passou a infância nos Estados Unidos, nos anos 1960, e diz se lembrar da Guerra do Vietnã, mesmo que com poucos detalhes.

“Hoje, olhando para trás com certa perspectiv­a histórica, porque agora sabemos o desastre que foi essa guerra, é fácil perceber que o que essas pessoas brilhantes [os sete de Chicago] diziam era verdade, que muita gente estava morrendo desnecessa­riamente. E também que as pessoas no poder na época estavam tomando decisões muito estúpidas”, diz o ator.

Aos 60 anos, Rylance diz que aprendeu muito durante a produção do longa e percebeu que a tentativa dos poderosos de sufocar as ideias das gerações mais novas é algo que se arrasta há décadas.

“Conhecer o maquinário que tentava calar as vozes desses jovens me deu uma lição. Hoje, eu percebo como autoridade­s no mundo todo mais uma vez não estão ouvindo as novas gerações. Eu temo que, daqui a 60 anos, as pessoas vão olhar para nós e para os nossos dilemas com muito mais frustração e raiva. As coisas não melhoraram tanto assim desde os acontecime­ntos do filme. Na verdade, talvez o debate tenha ficado mais inflamado.” Leia mais na pág. B10

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Divulgação Cena de ‘Os 7 de Chicago’
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Richard Avedon/AFP Os sete de Chicago fotografad­os por Richard Avedon em 1969

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