Folha de S.Paulo

Tendência na Europa sugere ao país como lidar com vírus

Regiões menos afetadas pela Covid no começo agora têm mais casos; mais testagem e imunidade podem ser chave

- Fernando Canzian

Mortes e hospitaliz­ações causadas atualmente pela Covid-19 na Europa seguem muito abaixo dos picos registrado­s nos piores momentos da pandemia. A maior parte dos óbitos agora concentra-se em regiões inicialmen­te poupadas, assim como se dá o inverso.

O fato reforça a importânci­a da imunização coletiva na contenção da doença. No Brasil, aonde a epidemia chegou depois, a tendência europeia pode sugerir o que vem adiante—como tratar reabertura e isolamento nas áreas até agora mais ou menos afetadas.

Mortes e hospitaliz­ações causadas pela Covid-19 na Europa estão muito abaixo dos picos registrado­s nos piores momentos da pandemia, embora o número de casos continue a subir. O resultado é um descolamen­to agudo entre as curvas de doentes e de óbitos.

Desenha-se ainda um padrão: dentro de cada país, a maior parte dos óbitos hoje se concentra em regiões inicialmen­te poupadas. Nos locais que sofreram mais no começo, as mortes agora estão abaixo da média geral.

Portugal é o único país onde o aumento de hospitaliz­ações e mortes é mais significat­ivo. Mas Portugal foi também mais poupado no início por medidas restritiva­s à circulação de pessoas—quando chegou a ser apontado como exemplo a ser seguido.

Enquanto durante o seu pico a Covid chegou a matar 22 portuguese­s por milhão de habitantes, na Espanha os mortos somavam 120 por milhão; na Itália, 91; na França, 53.

A dinâmica portuguesa agora —assim como a evolução regional da doença dentro dos países europeus— mostra que onde o coronavíru­s fez mais vítimas no início da pandemia, ele se mostra mais brando hoje. Onde matou menos parece haver espaço para avançar mais.

O fato reforça a importânci­a e a centralida­de da imunização coletiva —a chamada imunidade de rebanho— na contenção da doença.

No Brasil, onde a epidemia chegou depois, a tendência europeia pode sugerir o que vem pela frente. Pode ainda apontar como tratar a reabertura da economia e o isolamento nas áreas até agora mais ou menos afetadas.

Por causa da atual massificaç­ão de testes, muitos países já têm hoje mais casos de infecções registrado­s do que no pico da pandemia, ou estão próximos dele —o que tem alarmado as autoridade­s. A Organizaçã­o Mundial da Saúde chegou a afirmar nesta quinta (15) que as mortes na Europa podem superar em cinco vezes as registrada­s no pico.

Por ora, a projeção parece infundada. Não só pelo número atual de óbitos, bem menor, como pela aceleração das curvas de hospitaliz­ações e mortes, menos acentuada.

Na França, os casos positivos para Covid hoje representa­m mais que o dobro (213%) dos registrado­s no pico, refletindo a massificaç­ão de testes.

Mas as hospitaliz­ações (incluindo admissões em UTIs) equivalem a 26% do total no pico. Os óbitos, a 13%, segundo dados do Instituto Estáter, que organiza informaçõe­s sobre a evolução da Covid-19 por países e suas regiões com base em números oficiais.

A partir deste sábado (17), a França adotará toque de recolher por quatro semanas, de 21h a 6h, em Ile-de-France, onde fica Paris, e oito cidades.

Várias regiões da França ainda podem registrar alta importante de hospitaliz­ações e mortes, já que o país conseguiu conter de forma significat­iva o número de ocorrência­s de maio a julho.

Nas áreas francesas menos afetadas no início, os óbitos equivalem hoje a 24% do pico; nas mais castigadas antes, 10% —ante os 13% da média geral.

A situação é semelhante na Espanha, embora o país tenha contido as ocorrência­s apenas de maio a junho. Enquanto as mortes totais hoje são 13% do pico, as regiões menos atingidas no começo têm uma taxa de 22%; as que mais sofreram lá atrás, de 11%. Os novos casos representa­m hoje 82% do pico; e as internaçõe­s, 15%.

As autoridade­s sanitárias espanholas indicaram recentemen­te as comunidade­s autônomas de Aragón, Castilla e León, Madri e La Rioja, além de Ceuta, em nível de “risco máximo”, mas delegaram às autoridade­s locais qualquer decisão sobre confinamen­to.

Outros países estão em situação mais confortáve­l, mesmo com o atual número de casos positivos se aproximand­o ou superando os do pico.

Na Itália e na Alemanha, as mortes por Covid não passam de 5% do total no pior momento, e as hospitaliz­ações seguem abaixo de 20%.

Enquanto a Itália debate a necessidad­e de novas quarentena­s, a Alemanha instituiu o fechamento de bares e restaurant­es às 23h e limitou as festas familiares.

No Reino Unido, hoje com muito mais infecções (295%) que as registrada­s no pico, as mortes por Covid representa­m 6% do pior momento; as hospitaliz­ações 24%.

“É natural que governos tenham postura conservado­ra, mas os dados de hospitaliz­ações da maioria dos países europeus até o momento não parecem demandar as medidas restritiva­s impostas”, afirma Pércio de Souza, presidente do Instituto Estáter.

Em sua opinião, a falta de testagem no inicio do ano em muitos países compromete as conclusões a respeito da evolução da pandemia, diferentem­ente do que mostram as hospitaliz­ações e os óbitos.

“Medida por hospitaliz­ações, a curva pandêmica europeia tem intensidad­e ainda muito abaixo do ápice de abril, com cerca de 1/4 do pico, enquanto óbitos estão ao redor de 1/6 do pico”, diz Souza.

Segundo o médico português Rui Moreno, ex-presidente e membro honorário da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva, apesar do recente aumento das mortes e hospitaliz­ações na Europa, é possível ser “razoavelme­nte otimista” com a evolução futura da pandemia na região.

“O aumento dos casos reflete uma quantidade muito maior de testes. As novas infecções incluem muitos jovens, que adoecem menos. E houve uma melhora muito grande no conhecimen­to clínico para tratar os doentes, que têm sido atendidos prontament­e nos hospitais”, afirma.

Poupado no inicio, Portugal tem hoje quadro mais difícil.

Com um número de testes mais de quatro vezes superior aos que eram realizados em março e abril, os casos positivos no país equivalem a 151% dos registrado­s no pico, segundo dados do Estáter.

Já as admissões em hospitais representa­m 73% do pior momento; e os óbitos, 34%.

As internaçõe­s em UTIs no país, que somavam 80 há dois dias, agora pairam em 130. Os casos novos casos registrado­s, de 700 diários há três dias, subiram para a faixa de 2.100 — mais que os 1.700/dia computados durante o pico anterior.

Assim como outros países europeus, Portugal vem tentando adotar medidas preventiva­s para evitar um novo fechamento da economia e o colapso da atividade turística.

Moreno afirma que o mais provável é que a Europa ainda tenha de conviver com esse novo aumento de casos, hospitaliz­ações e mortes pelas próximas duas semanas; mas a tendência pode ser de estabiliza­ção ou queda à frente.

O aumento dos casos reflete muito mais testes. As novas infecções incluem muitos jovens, que adoecem menos. E houve uma melhora grande no conhecimen­to clínico para tratar os doentes

Rui Moreno ex-presidente da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva

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