Redes cerceiam reportagem contra Joe Biden
Plataformas alegam desinformação e uso de material hackeado em denúncia de frágil apuração
Facebook e Twitter limitaram o alcance de reportagem do New York Post contra Joe Biden, sobre suposta negociação entre o filho dele, Hunter, e uma empresa ucraniana. As redes citaram risco de desinformação e uso de material hackeado.
Duas das maiores redes sociais do mundo, Facebook e Twitter, limitaram o alcance de uma reportagem do tabloide americano New York Post contra Joe Biden.
O texto, publicado na quarta (14), contém supostos detalhes de negociações entre o filho de Biden, Hunter, e uma empresa de energia ucraniana. O jornal afirma ter tido acesso a email que indica que Hunter apresentou o pai, à época vice-presidente dos EUA, a um empresário ucraniano.
O Facebook restringiu a frequência em que a reportagem aparece no feed de notícias de seus usuários alegando que a checagem do conteúdo ainda está pendente. “Isso faz parte do nosso processo padrão para reduzir a disseminação de desinformação”, disse Andy Stone, porta-voz da empresa.
Um conjunto de práticas do Facebook que, de acordo com a rede, está ajudando a proteger as eleições americanas, prevê a adoção de “medidas mais rápidas para evitar que a desinformação se torne viral”.
“Em muitos países, incluindo os Estados Unidos, se houver sinais de que um determinado conteúdo é falso, reduzimos temporariamente sua distribuição”, afirma a empresa, acrescentando que, nesse período, o material deve ser checado por terceiros.
O Twitter foi além e censurou a reportagem sobre o filho de Biden. Usuários da rede social foram proibidos de compartilhar o link do New York Post ou de enviá-lo por meio de mensagens na plataforma.
Segundo a empresa, a decisão é baseada em sua política sobre uso de material hackeado. “As imagens contidas nos artigos incluem informações pessoais e privadas —como endereços de email e números de telefone— que violam nossas regras”, afirmou o Twitter.
Segundo a empresa, a política de privacidade proíbe a distribuição de conteúdo obtido sem autorização. “Não queremos incentivar o hackeamento, permitindo que o Twitter seja usado como distribuição de materiais possivelmente obtidos ilegalmente.”
A decisão, entretanto, foi criticada pelo próprio presidente da empresa, Jack Dorsey, para quem a “comunicação em torno de nossas ações sobre o artigo do New York Post não foi ótima”. “E bloquear o compartilhamento de URL via tuíte ou mensagem direta com zero contexto sobre o porquê de estarmos bloqueando é inaceitável”, escreveu.
Nesta quinta (15), Lindsey Graham, presidente do Comitê Judiciário do Senado, e outros dois senadores republicanos, Ted Cruz e Josh Hawley, disseram que o órgão deve votar, na próxima terça (20), o envio de uma intimação a Dorsey para que o presidente do Twitter preste esclarecimentos sobre as medidas adotadas pela plataforma.
Reportagens com base em vazamentos de informações são prática comum no jornalismo. Em 2019, a Folha e outros veículos jornalísticos analisaram com o site The Intercept Brasil o material recebido após o vazamento de mensagens trocadas por integrantes da Operação Lava Jato.
Em 2015, o New York Times teve acesso a informações repassadas por funcionários do Departamento de Estado americano segundo as quais Hillary Clinton usou uma conta de email pessoal no período em que ocupou o cargo de secretária de Estado, entre 2009 e 2013, no governo Obama. Hillary não tinha permissão para adotar um servidor privado.
Embora não tenha respondido criminalmente pelo caso, a democrata teve que prestar diversos esclarecimentos, e dezenas de milhares de emails dela foram tornados públicos .
O escândalo foi amplamente utilizado pela campanha de Donald Trump, que acusava a adversária de ter colocado a segurança do país em risco.
Trump adotou um discurso semelhante em relação ao texto sobre Biden. Na quarta (14), o republicano criticou as medidas para limitar o alcance do link nas redes sociais. “Muito terrível que Facebook e Twitter tenham derrubado a reportagem”, escreveu o presidente. “É só o começo para eles. Não há nada pior do que um político corrupto.”
O presidente voltou a pedir a revogação da Seção 230, que permite a remoção de conteúdos que as empresas considerem ofensivos ou impróprios.
Segundo o New York Post, o conteúdo da controversa reportagem sobre Biden foi obtido do HD de um computador abandonado em uma loja de consertos. O texto diz que o proprietário da loja não conseguiu identificar Hunter Biden como o dono do computador, mas informou que o laptop tinha um adesivo da Fundação Beau Biden, instituição que leva o nome do irmão mais velho de Hunter, morto em 2015.
A publicação do tabloide não omite os endereços de email dos envolvidos, o que, segundo o Twitter, foi o motivo da censura na plataforma.
A reportagem também inclui fotos de Hunter com um cachimbo usado para consumo de drogas e menciona que o computador continha um vídeo de 12 minutos em que o filho do candidato democrata aparece “fumando crack durante um ato sexual com uma mulher não identificada, além de outras numerosas imagens sexualmente explícitas”.
De acordo com o jornal, o computador foi entregue ao FBI em dezembro, mas, antes disso, o dono da loja de consertos fez uma cópia dos arquivos e a entregou a Robert Costello, advogado do ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, que, por sua vez, é também advogado de Trump.
Ainda segundo o New York Post, o jornal tomou conhecimento do material em setembro por meio de Steve Bannon, ex-coordenador da campanha de Trump, e recebeu uma cópia do conteúdo das mãos de Giuliani no domingo (11). A relação do tabloide com ambos aumenta as dúvidas sobre a legitimidade das informações, que se pretendem revelações de um escândalo a menos de 20 dias da eleição.
Bannon, preso em agosto por fraude em uma campanha virtual de doações e libertado após pagamento de fiança milionária, foi diretor-executivo do site Breitbart News, conhecido por disseminar desinformação a partir de uma visão alinhada à extrema direita.
Giuliani, por sua vez, tem histórico de relações com a interferência russa nas últimas eleições americanas e com uma campanha de desinformação que tem adversários de Trump como alvos.
O site Mother Jones, especializado em jornalismo investigativo, analisou o conteúdo publicado pelo tabloide e apontou uma série de inconsistências e exemplos de “más práticas jornalísticas”. Uma delas, segundo o site,é o fato de que o ponto-chave da reportagem se baseia em um email cuja legitimidade não foi comprovada e que apresenta conteúdo inconclusivo.
O porta-voz da campanha de Biden, Andrew Bates, disse em um comunicado que os comitês do Senado já concluíram que Biden não se envolveu em nenhum delito relacionado à Ucrânia. “Revisamos as programações oficiais de Joe Biden da época e nenhuma reunião, como alegado, jamais ocorreu.”
O tema é sensível para o presidente, que tenta se reeleger para mais um mandato, mas está em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto.
“Muito terrível que Facebook e Twitter tenham derrubado a reportagem. É só o começo para eles Donald Trump presidente dos EUA