Folha de S.Paulo

Bolsonaro nomeia três militares para agência de proteção de dados

Órgão tem 5 diretores; composição só se equipara a de Rússia e China, diz estudo

- Paula Soprana

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) nomeou nesta quinta-feira (15) os cinco diretores para a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados). Três deles são militares.

Entre os militares estão o atual presidente da Telebras, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, nomeado presidente da agência, Joacil Basilio Rael e Arthur Pereira Sabbat, do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal) e um dos autores da estratégia nacional de cibersegur­ança —ele era cotado há mais de um ano pelo setor.

Sabbat é oficial da reserva. Rael foi reformado em 2017, segundo publicação no Diário Oficial.

Também foram nomeadas Miriam Wimmer, diretora de Serviços de Telecomuni­cações no Ministério das Comunicaçõ­es, nome também aguardado entre os especialis­tas, e a advogada Nairane Farias Rabelo Leitão, única representa­nte do setor privado e sócia de um escritório de advocacia.

Os nomes foram publicados em edição extra do Diário Oficial da União desta quinta.

Levantamen­to do Data Privacy Brasil e obtido com exclusivid­ade pela Folha só encontrou a existência de conselheir­os flagrantem­ente militares em órgãos responsáve­is pela proteção de dados e internet na Rússia e na China, consideran­do o recorte das 20 economias mais desenvolvi­das do mundo pelo FMI.

Só nos dois países o órgão que lida com proteção de dados e temas relacionad­os inclui militares: um na Rússia e um na China. Entidades do tipo não seguem os mesmos padrões de formação no mundo.

Em alguns casos, o tema é tratado em órgãos do governo responsáve­is por temas correlacio­nados, como internet e comunicaçõ­es em geral. No Brasil, a ANPD é ligada à Casa Civil, mas a lei exige que tenha independên­cia técnica.

“A ANPD reproduz a composição de autoridade­s de países que são exemplos em violação de direitos fundamenta­is, inclusive pela legitimaçã­o de regimes de vigilância em massa dos cidadãos”, diz Bruna Santos, uma das autoras do levantamen­to.

Segundo ela, é preocupant­e que a militariza­ção do órgão confunda duas pautas distintas: segurança da informação e proteção de dados pessoais.

Antes de a ANPD ser regulament­ada, o setor privado e as organizaçõ­es da sociedade civil temiam que ficasse sob o GSI, porque proteção de dados e privacidad­e pressupõem transparên­cia, e o tema de segurança da informação nacional pede estratégia e sigilo.

Os mandatos dos primeiros membros serão de dois a seis anos. A segunda formação terá mandatos de quatro anos.

A autoridade tem atribuiçõe­s para garantir a eficácia da Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada no governo Temer e em vigor desde o mês passado. A entidade foi criada sem aumento de despesa para a União; os salários dos diretores serão de cerca de R$ 13.500.

A lei diz que a natureza jurídica da ANPD pode mudar em dois anos, ou seja, ela pode vir a ser mais independen­te do Executivo, uma das principais defesas da comunidade técnica que acompanha o tema. Apesar de vinculada ao governo, a autoridade deve ter autonomia técnica e decisória.

Os membros do conselho diretor agora devem ser aprovados em sabatina no Senado.

A ANPD deve zelar pela proteção de dados e auxiliar na interpreta­ção da lei. Ela também tem o poder de sanção, que pode chegar a R$ 50 milhões (as multas só podem ser aplicadas em agosto de 2021).

Entre as funções da autoridade também estão a elaboração de diretrizes para a política de proteção de dados, a auditoria e fiscalizaç­ão, a promoção de conhecimen­to à população sobre as normas, ações de cooperação, a solicitaçã­o de informação às entidades do poder público que realizem tratamento de dados e a regulament­ação da política de proteção a diferentes setores da economia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil