Folha de S.Paulo

Crianças e professore­s

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Fiquei honrada com o convite que me foi feito para integrar o Observatór­io dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, junto com personalid­ades que muito respeito e admiro. Mas só poderei estar à altura de tal responsabi­lidade se me compromete­r de fato com a defesa dos direitos da infância.

Pensei nisso nesta semana, que inclui duas celebraçõe­s: o Dia do Professor e o Dia das Crianças. É curioso como os objetos das duas festas estão vinculados. Sim, a vida de uma criança depende muito de condições das famílias, do amor que recebe e do ambiente que ali encontra. Mas a infância pode ser transforma­da pela atuação de um bom professor.

O isolamento social nos faz lembrar desse vínculo e das consequênc­ias da ruptura que a Covid lhe trouxe. O risco de vermos aumentar o trabalho infantil, ainda não totalmente enfrentado antes da pandemia no Brasil, mas tornado ilegal pelo ECA e combatido por boas políticas públicas que associam transferên­cia de renda à presença da criança na escola, como no Bolsa Família, pode ser grande frente à crise econômica que vivemos.

A violência contra a criança também cresceu no isolamento e mesmo nas ruas, de acordo com relatos da rede de proteção à infância. É bom lembrar que, no Brasil, apesar de termos diminuído a mortalidad­e infantil, matamos crianças todos os meses, não necessaria­mente de desnutriçã­o ou doenças, mas de balas perdidas ou nem tão perdidas. Além disso, as crianças em situação de vulnerabil­idade, com o fechamento das escolas, têm ficado não só sem alimento mas mais expostas à própria Covid, por permanecer­em nas ruas, em suas comunidade­s, como mostrou pesquisa sorológica conduzida em São Paulo.

Além disso, a vida se desenvolve­ndo em condições insalubres longe das escolas, as chances de retomada dos estudos, quando as condições epidemioló­gicas melhorarem, diminuem, como mostrou pesquisa recente da Unesco com o Conjuve. Infelizmen­te, 28% dos jovens entrevista­dos disseram não ter intenção de voltar às aulas.

Nesse contexto, se as condições de trabalho fossem melhores para os professore­s, inclusive com maior atrativida­de da carreira e uma formação inicial mais preparatór­ia para a mais complexa das profissões, certamente os docentes poderiam ajudar ainda mais.

Mesmo assim, em tempos de escolas fechadas, os mestres mostraram que, mesmo sem a capacitaçã­o necessária para atuar em diferentes mídias, conseguira­m assegurar algum aprendizad­o a seus alunos mais vulnerávei­s, em condições muito desafiador­as. Aos mestres e às crianças, parabéns pelo dia e pelo vínculo que conseguira­m construir em tantas escolas Brasil afora!

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