Folha de S.Paulo

Bolsonaro e a corrupção

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Os deuses sabem ser irônicos. Poucas horas depois de Jair Bolsonaro ter afirmado que daria uma voadora no pescoço de quem praticasse corrupção em sua gestão, a Polícia Federal flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo, com cerca de R$ 100 mil em sua residência, dos quais R$ 30 mil se encontrava­m em sua cueca, algumas notas “entre as nádegas”, como fizeram questão de publicar, por pudicícia, alguns veículos.

A operação policial que apanhou o repleto senador é parte de uma investigaç­ão sobre desvio de verbas destinadas ao combate à Covid-19. Uma semana antes dessa pilhéria divina, o presidente declarara que não havia corrupção em seu governo e que por isso ele acabara com a Lava Jato.

Embora Bolsonaro tenha no passado dito que tinha “quase uma união estável” com Rodrigues, esse não é o caso controvers­o mais próximo do presidente. Abstraídos os vários rolos de ministros, dois de seus filhos são investigad­os por desvio de verbas nas famosas “rachadinha­s”, um nome mais simpático para peculato. Contra o primogênit­o, o senador Flávio, já há um impression­ante acervo de provas. Até a primeira-dama recebeu cheques, cuja soma chega a R$ 89 mil, do arquissusp­eito Fabrício Queiroz e de sua fiel esposa.

OK, tecnicamen­te a família não faz parte do governo, o que, se desobriga o presidente de dar-lhes voadoras no pescoço, não o dispensari­a de oferecer explicaçõe­s à sociedade.

Para quem já atingiu a ataraxia, é possível divertir-se com esse pregar de peças do destino. Mas é preciso reconhecer que, no fundo, a culpa é nossa. Como já escrevi aqui, o Brasil merece Bolsonaro. Ele não apenas foi eleito democratic­amente —apesar dos sinais prévios inequívoco­s de que não era confiável— como sua popularida­de vem crescendo —apesar do desastre que é sua administra­ção e da pilha de mais de 150 mil mortos pela Covid-19. Democracia tem consequênc­ias.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil