Folha de S.Paulo

Renda com foco

Desenho de novo programa social deve começar pelo público-alvo, não pelo volume de recursos

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O debate em torno de políticas governamen­tais no Brasil não raro se transforma numa corrida por mais dinheiro, sem análise de viabilidad­e e consequênc­ias. Ganha o político que propuser valores maiores, na premissa de que mais gastos sempre serão populares.

O padrão se repetiu até aqui no debate a respeito de um novo programa, o Renda Cidadã, para substituir o auxílio emergencia­l a partir do próximo ano. O presidente Jair Bolsonaro, com a reeleição em mente, sinaliza que não aceitará nada menos que R$ 300 mensais por pessoa nem uma reorganiza­ção de programas menos eficazes.

No Congresso, da mesma forma, busca-se inflaciona­r a cobertura, sem grandes preocupaçõ­es a respeito dos limites orçamentár­ios e dos riscos do elevado endividame­nto público para a economia, cuja instabilid­ade sempre prejudica, cedo ou tarde, os mais pobres.

A relutância de Bolsonaro em tratar do tema antes das eleições municipais ao menos dá margem para que as vozes responsáve­is tentem colocar o debate no trilho certo, que consiste em pensar primeiro no público a ser contemplad­o e no potencial de redução da pobreza.

Tal quantifica­ção se mostra ainda mais necessária e oportuna num país em que a dívida pública se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto. Desenhado às pressas, por razões compreensí­veis, o auxílio emergencia­l de R$ 600 mensais contribuiu decisivame­nte para mitigar as crises, mas seu custo seria excessivo em base permanente.

Não resta dúvida, de todo modo, de que há potencial importante de redução da pobreza a partir de uma reformulaç­ão do Bolsa Família.

A pandemia revelou os chamados cidadãos invisíveis e deixou mais evidente a inseguranç­a de renda que aflige os trabalhado­res informais. Por fim, o grupo mais atingido pela pobreza ainda é o infantil.

Com tal realidade em mente, é possível tornar mais eficiente o gasto assistenci­al, mirando com maior precisão os beneficiár­ios.

Existem já propostas bem-acabadas nesse sentido, mas as que se mostram responsáve­is não temem tocar na necessidad­e de rever programas menos eficientes, como o abono salarial.

O país deve ampliar a seguridade, mas é preciso fazê-lo sem afrontar a responsabi­lidade orçamentár­ia e o teto de gastos. Essa condição demanda um debate sobre fontes de recursos tendo em mente objetivos realistas, sem a ilusão de que o Orçamento desconhece limites.

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