Folha de S.Paulo

Aliado do presidente há 20 anos, senador defende interesses do clã

- Iara Lemos

Senador em primeiro mandato, Chico Rodrigues (DEM-RR) tem uma longa relação com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). São mais de 20 anos de amizade.

Rodrigues, flagrado pela Polícia Federal na quarta-feira (14), em Boa Vista com dinheiro entre as nádegas, foi colega de Bolsonaro na Câmara. No atual governo, era considerad­o um dos aliados mais próximos do presidente.

O senador é engenheiro agrônomo e foi deputado federal por cinco mandatos, de 1991 a 2011. Em 2014, assumiu o Governo de Roraima por oito meses.

Em vídeo na campanha de 2018, Bolsonaro chegou a dizer que a amizade dos dois era “quase uma união estável”. Rodrigues foi o senador mais votado de Roraima no pleito passado, o mesmo em que Bolsonaro se elegeu.

A relação cresceu na esteira da popularida­de de Bolsonaro. Vídeos dos dois eram recorrente­s nas redes sociais do senador.

A proximidad­e se estendeu à família. Ainda como vice-líder do governo, Rodrigues contratou Leonardo Rodrigues de Jesus, o Leo Índio, para o segundo maior cargo de seu gabinete, com salário de R$ 22,9 mil mensais.

Leo Índio é primo dos filhos do presidente e pessoa de confiança do vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Estudante de administra­ção, Léo Índio ocupou desde 2019 o cargo de assessor parlamenta­r do senador, que só tem remuneraçã­o inferior ao de chefe de gabinete, que recebe R$ 26,9 mil por mês.

Na época da contrataçã­o, Rodrigues afirmara: “Melhor ainda sendo sobrinho do presidente. Qual o mal que tem nisso aí?” Nesta quinta (15), Leo Índio pediu demissão.

Quando Bolsonaro ensaiou colocar o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à frente da embaixada em Washington, Rodrigues foi escalado para relatar a indicação. Ante resistênci­as e questionam­entos sobre o preparo do filho, o presidente desistiu do plano.

Apesar da pandemia e das sessões remotas do Senado, Rodrigues não deixou de frequentar Brasília. Gastos com passagens aéreas são somados a outros a que o congressis­ta tem direito na conta do Senado, entre eles papel higiênico. Neste ano, ele fez uso de R$ 282,3 mil.

Na capital, a agenda de Rodrigues incluía visitas ao gabinete do presidente e a ministros. Almoços com Bolsonaro eram frequentes, o que levou Rodrigues a se tornar um forte interlocut­or com os demais senadores da base, especialme­nte com o apoio de outro filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Como vice-líder, ganhou o poder de direcionar a bancada em votações no Senado. Tinha a função de substituir o líder, Fernando Bezerra (MDB-PE), quando ele não estava presente.

A proximidad­e com o governo resultou em verba extra durante o período da pandemia, além das emendas parlamenta­res a que já tem direito.

Quando o governo destinou parte dos recursos reservados para o combate à Covid-19 para senadores atenderem bases eleitorais, menos para PT e Rede, Rodrigues foi um dos beneficiad­os.

O montante a que aliados tiveram acesso, até R$ 30 milhões, é quase o dobro do que congressis­tas têm direito por ano em emendas parlamenta­res (R$ 15,9 milhões).

Portaria assinada pelo ministro Eduardo Pazuello (Saúde) tratou da distribuiç­ão de R$ 13,8 bilhões para ações contra Covid-19. O dinheiro era oriundo de três medidas provisória­s, aprovadas pelo Congresso desde março, e destinava a verba em parcela única aos entes federados.

O dinheiro deveria ser repartido com base em dados como população, leitos hospitalar­es disponívei­s e incidência de Covid. Mas, no momento de indicar a destinação, o governo contemplou senadores da base, sem seguir critérios

claros.

Rodrigues, na época, foi um dos contemplad­os e disse à Folha que, inicialmen­te, recebeu o aval do governo para indicar R$ 20 milhões para combater a Covid em Roraima. Ele, contudo, considerou o valor insuficien­te.

Diante da reclamação, Rodrigues teve autorizado R$ 30 milhões para destinar para suas bases. Boa Vista não foi contemplad­a porque, segundo ele, havia desentendi­mentos com a prefeita Teresa Surita (MDB).

Nessa boa relação com o governo, Rodrigues bancou projetos de interesse de Bolsonaro. Entre as iniciativa­s está a defesa de temas ambientais considerad­os polêmicos.

O senador é relator, por exemplo, do projeto que altera os limites do Parque Nacional dos Lençóis Maranhense­s, que tramita na Casa.

A Amazônia tem sido uma das bandeiras de Rodrigues a pedido de Bolsonaro. Em suas redes, ele defende a exploração de minerais em terras indígenas. A atividade, porém, é proibida pelo ANM (Agência Nacional de Mineração), órgão regulador.

“Centenas de famílias estão aqui, tirando da terra o que Deus nos deu [...]. Nós precisamos logo que o governo, o Congresso Nacional regulament­e essa questão da exploração mineral em áreas indígenas”, disse o senador, em janeiro.

A instalação de indústrias na região da Amazônia também é bandeira do senador.

No Norte do país, ele ainda ensaiou protagonis­mo em temas de relações exteriores, não menos polêmicos. Ao lado do ministro Ernesto Araújo, ele foi um dos articulado­res

da visita ao Brasil do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em setembro, a Roraima.

Com ministro e senador, Pompeo visitou as instalaçõe­s da Operação Acolhida, em Boa Vista. O projeto recebe refugiados venezuelan­os da ditadura de Nicolás Maduro.

A presença do secretário americano causou uma série de manifestaç­ões de parlamenta­res.

A primeira reação foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que classifico­u o encontro como uma “afronta às tradições de autonomia e altivez” da política externa brasileira.

No Senado, Rodrigues conquistou cargos nas principais comissões da Casa. Ele é um dos membros titulares do Conselho de Ética e Decoro Parlamenta­r, colegiado que irá receber um pedido de cassação de seu mandato, ingressado por congressis­tas da Rede e do Cidadania.

O colegiado é presidido pelo senador Jayme Campos (DEMMT), que não se pronunciou sobre o pedido. Rodrigues também integra a mesma legenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP).

Nesta quinta, depois que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinou o afastament­o por 90 dias do senador, a assessoria de imprensa do presidente da Casa afirmou que Alcolumbre ainda não notificado oficialmen­te da decisão.

Após tomar conhecimen­to oficial, Alcolumbre deverá convocar uma reunião de líderes. Em seguida, ele vai definir se convoca sessão extraordin­ária para que o plenário delibere sobre o caso.

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Pedro Ladeira - 9.ago.19 O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com Rodrigues quando buscava apoio para ser embaixador nos EUA
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Marcos Oliveira - 26.jun.19/Agência sENADO Flávio Bolsonaro (Republican­os -RJ) com o colega senador em atividade da Casa

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