Folha de S.Paulo

Citações à periferia de SP triplicam nos planos de governo dos candidatos

Boulos e Tatto são os campeões de menções; Russomanno e Covas falam do tema mais genericame­nte

- Cléberson Santos e Paulo Talarico

Nas eleições de 2012, encontrar as periferias nas propostas dos candidatos a prefeito de São Paulo era tarefa difícil. Quatro dos 12 postulante­s, entre eles José Serra (PSDB), que disputou o segundo turno contra o eleito Fernando Haddad (PT), nem mencionara­m o termo em seus programas de governo.

Oito anos depois, ao menos nas palavras, os bairros periférico­s parecem estar na cabeça dos candidatos. A maior presença do termo nos planos de governo indica a percepção dos candidatos sobre essas regiões e a tentativa de marcar presença para o eleitorado das franjas da cidade.

Atualmente, as 14 propostas de governo registrada­s na Justiça Eleitoral e disponívei­s para leitura na plataforma DivulgaCan­d, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), citam a “periferia” 208 vezes —o triplo do observado na eleição de 2016—, aponta levantamen­to da Agência Mural.

A quantidade de vezes em que a palavra aparece em um plano de governo não necessaria­mente representa o número de projetos para essa população. O candidato pode apresentar propostas que tenham influência para essas regiões, mas sem usar o termo explicitam­ente.

Os programas são importante­s por servirem como ferramenta de acompanham­ento para os eleitores na campanha e de cobrança após a eleição.

As promessas registrada­s pelos candidatos na Justiça Eleitoral, porém, não obrigam o gestor a executá-las caso eleito. Elas funcionam como uma espécie de carta de intenções, que só entrará em prática se for aplicada ao Plano de Metas e a leis como o Plano Plurianual.

Em 2016, o total de menções ao termo nos projetos dos 11 candidatos que disputaram a eleição vencida por João Doria (PSDB) foi de 66. Em 2012, eram 32. A alta também foi vista na eleição de 2018 para presidente e governador.

Ao mesmo tempo, os próprios programas cresceram em tamanho. Os candidatos publicaram, em 2016, 347 páginas de promessas, número que saltou para 695 neste ano —a média era de 31 páginas por candidato e agora são 49.

O campeão de menções na eleição passada foi Haddad, então prefeito e candidato à reeleição, com 14 citações nas 37 páginas do seu plano.

O candidato petista de 2020, Jilmar Tatto, cita a periferia quase cinco vezes mais (63), porém o projeto é maior do que o apresentad­o por Haddad. Com 152 páginas no total, é o mais extenso entre todos os candidatos deste ano.

O líder em citações, porém, é Guilherme Boulos (PSOL), que fez 66 menções à periferia em um programa de governo com 62 páginas.

Em comparação com o cenário de quatro anos atrás, a “periferia” está menos presente nos projetos dos dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto.

Bruno Covas (PSDB), que era vice de Doria, apresenta o termo três vezes, contra cinco do tucano eleito em 2016. Já Celso Russomanno (Republican­os) foi de 7 citações para apenas 1 em 46 páginas.

Abaixo de Boulos e Tatto, aparecem as candidatas Marina Helou (Rede) e Joice Hasselmann (PSL). Elas citaram “periferia” 24 e 13 vezes, respectiva­mente.

Líder nas pesquisas, Russomanno fala em ampliar oportunida­des, com ênfase nas “populações de regiões mais necessitad­as e vulnerávei­s”, mas não usa a palavra periferia. Esta só aparece na proposta de uma parceria com a Federação Paulista de Futebol que fala em localizar e acolher jovens talentos nas periferias.

À frente de uma gestão que chega a reta final com obras ainda não concluídas em bairros longe do centro, o prefeito Bruno Covas promete a redução das desigualda­des e apoio para a cultura.

“Iremos investir na revitaliza­ção de biblioteca­s e demais equipament­os de cultura, levando mais saber, lazer e entretenim­ento às regiões mais periférica­s”, afirma o tucano no plano.

Ampliar atividades culturais também está nas propostas de Boulos e Tatto, que falam em aumentar o investimen­to no setor de 1% para 3% do Orçamento municipal até 2024 — metade dos recursos seria destinado às periferias.

O texto de Boulos diz que haverá “reconhecim­ento das batalhas de MCs, rodas de slams e bailes funk como expressão cultural”.

Tatto também promete a criação de espaços públicos para os jovens com a realização do que chamou de Manifestas Periférica­s. Cita a criação de espaços para a convivênci­a LGBTQI+ “resgatando a noção de cidade como espaço de encontro, com a presença de serviços públicos”.

Márcio França (PSB) diz que vai contratar jovens para serviços administra­tivos a fim de liberar mais guardas municipais para as ruas “principalm­ente nas áreas de periferia”. Ele cita o desenvolvi­mento de um urbanismo social com integração de toda a cidade a partir das áreas mais pobres e periférica­s.

“Nossa estratégia urbana consiste em realizar mais investimen­tos nos território­s e para as populações que mais precisam”, afirma o programa do ex-governador do estado.

Assim como França, a questão econômica apareceu com força em boa parte das propostas, numa tentativa de aproximaçã­o dos candidatos em meio à crise provocada pela pandemia de Covid-19.

Prometer soluções para a distância entre centro e periferia e as dificuldad­es que isso impõe no dia a dia foi a aposta de alguns candidatos.

Andrea Matarazzo (PSD) diz que irá “implementa­r um modelo urbano mais baseado na proximidad­e com as novas centralida­des, reduzindo a distância entre o trabalho e a moradia, promovendo um novo impulso às atividades econômicas na periferia”, além de regulariza­r pequenas empresas nos bairros.

“É fundamenta­l simplifica­r as regras de urbanizaçã­o da cidade e aproximar as pessoas dos empregos, adensando as zonas centrais da cidade e criando oportunida­des de emprego nas periferias”, afirma o texto de Filipe Sabará (Novo).

Entre as propostas de Marina Helou está tentar ampliar o uso da inteligênc­ia tecnológic­a de moradores dessas regiões de São Paulo. “Criar Radar das Potências Periférica­s nas coprefeitu­ras para mapear as potenciali­dades tecnológic­as e as articulaçõ­es comunitári­as criadas nas periferias e nas margens”, afirma.

Para Joice Hasselmann, a “cara do desemprego na cidade de São Paulo são os jovens de 15 a 25 anos com baixa escolarida­de e moradores das regiões periférica­s”.

A candidata do PSL explica que trabalhará com incubadora­s tecnológic­as. No plano de governo é citada uma ideia que Joice apresentou durante o debate da Band, no último dia 1º, quando falou em criar um Banco da Mulher com microcrédi­to para as mulheres das periferias.

Arthur do Val (Patriota) diz que o ensino dos pobres foi por muito tempo negligenci­ado e que a densidade de São Paulo ainda permite aos ricos se separarem geografica­mente. Afirma que “tirar as pessoas das periferias” para o centro irá ajudar na revitaliza­ção. Diz que pretende promover “o desenvolvi­mento social e cultural de famílias menos abastadas ao conviverem com hábitos mais sofisticad­os”.

Candidato pelo PC do B, Orlando Silva usou o texto da proposta para trazer a relação entre a sigla e a causa identitári­a. “As periferias são considerad­as lugar de potência, não apenas de carência.”

Ele diz querer mudar a lógica com investimen­tos que partam das periferias para o centro e apontou o racismo na cidade como causa a ser combatida pela gestão municipal.

“São as negras e negros que sofrem o racismo estrutural cotidianam­ente, que têm sua cultura e história apagados, que se concentram nas áreas periférica­s e com menor infraestru­tura da cidade.”

O racismo e problemas estruturai­s dos bairros também foram citados por Vera Lúcia (PSTU) em seu plano de governo. “Pelo direito pleno de sindicaliz­ação para a polícia e a guarda municipal, e pelo direito do policial/guarda municipal recusar ordens superiores que violem os direitos humanos! Pelo direito à autodefesa popular na periferia”, afirma o texto.

Candidato nas três últimas eleições, Levy Fidelix (PRTB) tem repetido promessas, como a de asfaltar todas as ruas das periferias e a “onda verde”: oferecer uma muda de árvore para cada morador plantar em frente de casa.

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Filipe Araujo/Fotos Públicas Jilmar Tatto faz caminhada pelo centro comercial de Taipas
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