A arte do possível
Pragmatismo aproxima Pequim e Vaticano e facilita nomeação de bispos na China
Na movimentada rua Wangfujing, no centro de Pequim, a igreja St. Joseph atrai chineses e expatriados católicos que por aqui vivem. Apesar da aparência, não se trata exatamente de uma igreja católica, mas de estabelecimento vinculado à chamada Associação Patriótica Católica Chinesa, que, em última instância, responde às autoridades chinesas, e não ao papa.
Pequim e Vaticano discutem, neste momento, a extensão de um acordo a respeito da nomeação
de bispos na China. Assinado em 2018 em base experimental, o trato, cujo texto infelizmente não é público, expira em 22 de outubro caso não seja renovado.
Segundo o pacto, a nomeação de bispos envolve um processo de consultas e requer a aprovação tanto da Santa Sé quanto da República Popular da China. Antes do acordo de 2018, bispos e padres contavam apenas com o endosso da Associação Patriótica.
Estima-se que a China tenha cerca de 10 a 12 milhões de católicos,
num total muito maior de cristãos, especialmente protestantes. Parte dos católicos segue a Associação Patriótica, com sua igreja católica chinesa, e outra parcela, tradicionalmente leal ao Vaticano, reúne-se de maneira informal ou clandestina desde a Revolução Comunista em 1949 e a expulsão dos missionários estrangeiros do país.
A aproximação entre Pequim e Santa Sé, buscada há décadas, ainda enfrenta resistências. Para começar, o ambiente político-diplomático
é desfavorável: o Vaticano mantém relações diplomáticas com Taiwan, e não com Pequim. Na essência, para Pequim, nãoé trivial a ideia de que os chineses sejam leais a outra instituição que não o Partido Comunista, especialmente uma poderosa e comandada por estrangeiros.
Para o Vaticano, entre outras questões, é difícil aceitar que seus bispos precisem ser também endossados por outra instituição que não a Santa Sé para que possam atuar. “A religião na
Chinas erá chinesa na sua orientação ”— estaé alinha de discursos e documentos oficiais. Se o conceito choca batinas vaticanas, não surpreende chineses —afinal, tudo aqui tem características chinesas e, como disse Xi Jinping, o partido comanda de norte a sul, leste a oeste.
Nãoé coincidência que a aproximação coma China receba impulso de um papa jesuíta. Francisco parece seguir alinhada acomodação cultural—onde for possível, sem ceder no essencial.
O orientação faz lembrar o missionário Mat te oRicci, também jesuíta, que, ao final do século 16, percebeu ser essa a única maneira de ganhar algum espaço na cultura milenar chinesa e buscou conciliar adoutrina ética confucionista com os valores cristãos.
Além de pensarem alongo prazo, autoridades de Pequim e do Vaticano aproximam-se num aspecto-chave para o sucesso de uma negociação como esta: ambos parecem munidos de boa dose de pragmatismo.
Para a Santa Sé, o acordo poderá melhorar, gradualmente, a situação dos católicos na China. Para o país asiático, o entendimento demostra capacidade de o governo negociar, fazer concessões e tolerar o que poderia ser visto como influência indesejada.
Frequentadores estrangeiros da St. Joseph possivelmente não notam qualquer distinção em relação às missas a que estão acostumados, mas as diferenças entre o Partido Comunista Chinês e a Igreja Católica são históricas e significativas.
O arranjo pouco ortodoxo para a nomeação de bispos na China fortalece o equilíbrio ainda frágil entre o governo chinês e as autoridadesdo Vaticano, mesmo não sendo ideal para nenhum deles.