Folha de S.Paulo

Governo avalia cotas extras para segurodese­mprego neste ano

Como o desembolso seria extraordin­ário em função da crise do coronavíru­s, o custo ficaria fora do teto de gastos

- Thiago Resende e Fábio Pupo

O governo estuda permitir o pagamento de cotas extras do seguro-desemprego para quem foi demitido na crise do coronavíru­s. Porém, a prorrogaçã­o do benefício ficaria limitada a 2020 —ano de calamidade pública.

O Codefat (Conselho Deliberati­vo do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r), órgão que analisa regras sobre o seguro desemprego, debate desde julho uma proposta, apresentad­a pelas centrais sindicais.

A ideia é criar extraordin­ariamente duas parcelas adicionais do benefício a quem for demitido sem justa causa entre 20 de março e 31 de dezembro deste ano.

Representa­ntes do Ministério da Economia no conselho conseguem, desde julho, adiar a votação do projeto. Sob pressão, o governo prepara uma contraprop­osta que signifique um custo menor.

O Codefat tem seis representa­ntes do governo, seis dos trabalhado­res e seis dos empresário­s.

O plano apresentad­o pelos representa­ntes das centrais elevaria as despesas do governo em mais de R$ 16 bilhões e poderia se estender a 2021, no caso de demissões no fim do segundo semestre.

Hoje, pode-se receber de três a cinco parcelas do seguro-desemprego. O valor depende do período em que esteve contratado e de quantas vezes já solicitou o benefício.

Nas discussões mais recentes com o colegiado, o governo defende que as cotas extras sejam pagas até dezembro e, como o desembolso seria extraordin­ário em função da crise do coronavíru­s, ficaria fora do teto de gastos. Asa regra impede aumento das despesas públicas acima da inflação.

O instrument­o a ser usado seria o crédito extraordin­ário, permitido pela Constituiç­ão em casos de despesas urgentes e imprevisív­eis, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Procurado, o Ministério da Economia afirmou que analisa “a possibilid­ade financeira e jurídica da proposta sugerida pela bancada dos trabalhado­res para que ela seja viável, dentro do atual regramento fiscal extraordin­ário”.

O estado de calamidade pública decretado pelo Congresso e que tem permitido as despesas extraordin­árias vale até 31 de dezembro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já avisou que não vai estender a regra.

Como o afrouxamen­to fiscal não deve se estender a 2021, a ideia de técnicos da pasta é que as parcelas extras do seguro-desemprego também se limitem a este ano.

A versão mais limitada avaliada pelo governo reduziria o custo. Ainda não há nova estimativa formal. Mas projeções indicam que o gasto poderia ficar menor que R$ 8 bilhões.

A contraprop­osta beneficiar­ia quem foi demitido no começo da crise e ainda recebe o seguro-desemprego.

Quem foi demitido recentemen­te acabaria ficando com o formato atual, que já cobre de três a cinco parcelas. Não haveria tempo suficiente para alcançar as cotas extras até dezembro.

Também está em estudo um modelo para que os pagamentos complement­ares só sejam liberados a um grupo específico de desemprega­dos, por exemplo, de determinad­as regiões ou setores de atividade, no caso, os mais afetados pela crise.

Além disso, quem recebe outros benefícios do governo pode não ter direito ao segurodese­mprego extraordin­ário.

Em 2009, o Codefat aprovou o pagamento temporário de parcelas adicionais para trabalhado­res demitidos sem justa causa na crise financeira que se espalhou pelo mundo no ano anterior. Mas, dessa vez, com os consecutiv­os adiamentos na decisão, o número de desemprega­dos a serem beneficiad­os se reduz.

Na última reunião do conselho, em setembro, o governo conseguiu convencer os demais representa­ntes a adiar mais uma vez a decisão e pediu, na ocasião, mais 15 dias para apresentar uma contraprop­osta. O prazo se encerrou na semana passada.

“Defendemos que o conselho vote isso o quanto antes. Se deixarmos para novembro, a medida vai ajudar menos desemprega­dos”, disse o representa­nte da Força Sindical no Codefat, Sérgio Luiz Leite, um dos autores da proposta de julho.

Até setembro, dado mais recente, foram contabiliz­ados 5.451.312 pedidos de seguro-desemprego no país. Isso representa uma alta de 5,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

O cresciment­o na demanda fez o ministro Paulo Guedes (Economia) estudar alternativ­as de obter mais recursos para o benefício.

Para bancar o aumento nos pedidos, o ministério fez pedidos a agências internacio­nais um financiame­nto de US$ 780 milhões para o programa. Entre as instituiçõ­es, estão o NDB (Novo Banco de Desenvolvi­mento, o banco dos Brics) e o BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento).

Nas contas do governo, o financiame­nto banca cerca de 1 milhão de novos beneficiár­ios.

Depois disso, Guedes pediu aval ao TCU (Tribunal de Contas da União) para usar uma folga criada no cálculo do teto de gastos.

O espaço apareceu com as primeiras medidas de enfrentame­nto do coronavíru­s, quando o ministro abriu os chamados créditos extraordin­ários para mitigar os efeitos da pandemia.

Ao abrir os primeiros créditos, Guedes cancelou outras despesas previstas. O objetivo era evitar pressões sobre normas fiscais como a regra de ouro (que impede endividame­nto para despesas correntes) e sobre a própria dívida pública.

Posteriorm­ente, diferentes normas fiscais foram suspensas (por Congresso e Supremo Tribunal Federal).

Mesmo assim, Guedes já tinha cancelado R$ 7,8 bilhões em despesas. O Tribunal de Contas autorizou o uso do espaço para o Bolsa Família e o seguro-desemprego.

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