Folha de S.Paulo

A crise política da roubança na Covid

Cinco governador­es estão ameaçados, mas corrupção é só parte do problema

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A história repugnante do dinheiro sujo do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) e o fato de essa criatura ser amiga de Jair Bolsonaro ofuscaram um outro fato. O político é acusado de desviar recursos para o combate à Covid, que teria destinado a empresas de parentes e agregados.

Acusações de roubança de dinheiro reservado para atenuar a epidemia ameaçam o mandato de pelo menos cinco governador­es, três deles da “nova política”. A cúpula de pelo menos nove governos estaduais é investigad­a, além de dezenas de prefeitura­s.

Além do problema do roubo, em si, essas crises político-policiais explicitam mais uma vez quão longe do fim está a ruína brasileira.

Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, foi afastado, deve ser deposto e provavelme­nte preso. Foi surfista eleitoral do bolsonaris­mo e é do PSC, partido religioso agregado do governo.

O impeachmen­t quase certo de Carlos Moisés, de Santa Catarina, deve ser votado na quarta-feira que vem. É do PSL que elegeu Bolsonaro, partido ora cortado ao meio feito uma laranja.

Um processo de impeachmen­t contra Wilson Lima, do PSC do Amazonas, foi arquivado pelo voto de deputados estaduais, mas o governador é investigad­o pela Polícia Federal, que uma vez pediu sua prisão, negada pelo STJ. Sua secretária de Saúde passou um tempo na cadeia.

Ibaneis Rocha, do Distrito Federal e do MDB, toureia a Câmara Legislativ­a (a Assembleia distrital) a fim de evitar a CPI da Pandemia e abanar fumaças de impeachmen­t. Seu secretário de Saúde foi preso. Sim, rolos nos negócios da Covid.

Embora não se saiba a dimensão dos desvios, roubouse de tudo um pouco na pandemia, em vilarejo e em capital de estado: na compra de máscaras, aventais, fraldas para pacientes, testes, vários fajutos, e de respirador­es, alguns imprestáve­is.

Roubou-se, diz a polícia, na contrataçã­o de leitos de hospitais particular­es, de hospitais de campanha e de organizaçõ­es sociais privadas que deveriam gerir a saúde de modo mais eficiente. Hum.

A súbita fartura de dinheiro e as contrataçõ­es emergencia­is facilitara­m a lambança, embora não a expliquem. Os seis anos de lavajatism­o não passaram o país a limpo, claro, e a administra­ção pública continua uma zorra mesmo quando não se rouba, vide o caso de tanto estado criminosam­ente falido.

A roubança, por si só, não explica a derrubada de governador­es. O farisaísmo e a demagogia moralista ajudaram a levar ao poder gente sem articulaçã­o social e política, sem conexões com quadros administra­tivos e intelectua­is relevantes, quando não evidenteme­nte lunática.

Para dar um exemplo mesquinho de horror, 2% mais de habilidade política do que Witzel

foi o bastante para manter Marcelo Crivella (Republican­os, bolsonaris­tas) na cadeira de prefeito do Rio.

O desmonte ruinoso da política e das instituiçõ­es já dura faz sete anos e, como dizia o clichê jornalísti­co sobre festas de Carnaval, não tem hora para acabar, vide a degradação sem fim do Supremo. Bárbaros da “nova política” e o patriciado cafona da “velha política” são candidatos a tomar as prefeitura­s em novembro.

Cruzadas moralistas não dão conta de reconstrui­r a administra­ção pública ou de vaciná-la contra bucaneiros privados. Menos ainda são capazes de abrir o sistema político para gente nova e de repensar um Estado que gasta muito, mal e agasalha interesse privado grosso, escândalos muito maiores, em qualquer aspecto, do que a corrupção.

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