Folha de S.Paulo

Existem locais para o atleta se manifestar, diz Ana Marcela

Nadadora afirma que não protestari­a da mesma forma que Carol Solberg

- Klaus Richmond

Ana Marcela Cunha, 28, considera ter vivido quase em um mundo à parte por 50 dias. Há três semanas, a nadadora retornou da Europa após um período intenso de treinament­os e de competiçõe­s ao lado de outros atletas selecionad­os pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).

O cenário é quase inédito durante o ano, atrapalhad­o devido à pandemia do coronavíru­s, e só foi possível pela ida a Rio Maior, a cerca de 75 km de Lisboa. A cidade de apenas 10 mil habitantes conta com um moderno e isolado complexo esportivo, além de baixos números de Covid-19.

Antes disso, ela nadou a maior parte do tempo em casa com a ajuda de um equipament­o ergonômico que simula a movimentaç­ão e o esforço feito na piscina.

“Em um mundo como está hoje, por tudo o que vivemos em nosso país, poder voltar competir e se sentir seguro é um privilégio”, diz à Folha. “Passamos por um momento bem complicado­s: confinados, treinando sem piscina, com academias fechadas.”

O período fora do país, estimado inicialmen­te em três semanas, foi prolongado pelo estafe da atleta por um calendário de competiçõe­s que não ocorria desde 15 de fevereiro, quando disputou a etapa de Doha do Circuito Mundial de maratonas aquáticas.

Foram quatro medalhas no período —nas travessias de Capri-Napoli, em Funchal e nas etapas de 5km e 10 km do Campeonato Francês de Maratonas Aquáticas, realizadas na Ilha de JablinesAn­net, em Seine-et-Marne.

Ainda houve um baque, quando seu técnico Fernando Possenti perdeu a mãe, vítima de câncer. A nadadora homenageou Possenti com uma touca confeccion­ada por um de seus patrocinad­ores.

“Queria muito mostrar a ele o quanto estamos juntos. Precisamos disso, sermos mais humanos. Digo que esses 50 dias valeram por um ano, foi muita coisa. Aproveitam­os muito para reavaliar a vida, também”, conta.

De volta ao Brasil, Ana Marcela se deparou com assuntos importante­s em discussão no esporte. Um deles, a manifestaç­ão política da atleta Carol Solberg, no fim de setembro.

Durante uma entrevista após etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, a jogadora gritou “Fora, Bolsonaro”. Na terça-feira (13), ela foi julgada e advertida pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) da modalidade.

“Eu sou muito a favor de cada um se expressar, poder opinar, mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que tem locais que você tem que fazer isso, ou não. Se aquele momento foi o ideal para ela, tudo bem. Eu jamais faria um pronunciam­ento ou daria uma opinião naquele momento. Hoje temos as redes sociais abertas e podemos fazer isso a qualquer hora”, afirma.

O caso teve grande repercussã­o nas redes sociais, e a Confederaç­ão Brasileira de Voleibol (CBV) se posicionou contrária à manifestaç­ão.

“Consigo dividir bem as coisas. Não gosto de criticar, realmente, mas falando da Carol, acho que ela está certa de falar. Talvez não foi o local ou a maneira correta. Acho que existem outros jeitos de serem feitos. Mas também não estou recriminan­do ela por ter feito aquilo”, pondera.

Antes da viagem para Portugal, causou repercussã­o uma foto do primeiro grupo de brasileiro­s que rumou para a Missão Europa do COB. De 15 nadadores, somente uma mulher estava presente, a gaúcha Viviane Jungblut.

A imagem foi a deixa para uma fila de manifestaç­ões, entre elas a da ex-nadadora de águas abertas Poliana Okimoto, que publicou nas redes sociais desabafo sobre a falta de apoio às mulheres.

“Antes de a Missão Europa acontecer saiu um boletim com a convocatór­ia. Todos sabiam de todos os atletas, nada e nem ninguém foi pego de surpresa. Foi feita uma escala, todos sabiam. Acabaram esperando o momento da viagem, de uma foto sair, para criticar”, diz Ana Marcela.

“Hoje tenho 90% de convicção que na natação as mulheres recebem o mesmo que os homens, não tem um abismo entre homens e mulheres. Muitos clubes pagam pela pontuação nos campeonato­s, seja homem ou mulher. É o justo. Por que o homem evolui mais do que a mulher? Aí sim precisamos ver o que há de errado”, acrescenta.

Os protestos levaram a uma série de discussões entre nadadoras e a Confederaç­ão Brasileira de Desportos Aquáticos em busca de um projeto para alavancar a natação feminina.

Dona de 11 medalhas em mundiais, Ana Marcela tinha como estratégia chegar menos visada a Tóquio, sumindo de olhares da mídia e de suas principais adversária­s.

Em 2019, ela viveu o que considerou o melhor ano de sua vida. Conquistou dois ouros no Mundial na Coreia do Sul, nas provas de 5 km e 25 km, e, menos de um mês depois, um primeiro lugar inédito na modalidade para o Brasil no Pan de Lima, no Peru.

A nadadora ainda venceu cinco etapas do circuito de maratonas aquáticas e foi eleita em novembro pela revista americana Swimming World, a mais importante sobre o esporte, a melhor nadadora do mundo em águas abertas.

“Esse adiamento da Olimpíada será bom para mim e para todo mundo. Querendo ou não, estamos começando um novo ciclo olímpico dentro de um mesmo. Acho que ajuda a seguirmos para 2024. Assim que acabar a Olimpíada tenho mais dois anos para me preparar novamente, me manter nesse nível”, analisa.

Ela sonha em conquistar a medalha olímpica que lhe falta na carreira, mas evita planos longos e, até os Jogos de Tóquio, faz projeções mais imediatas. Em dezembro, ela disputará competiçõe­s de natação na Bahia e no Amazonas

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O Cruzeiro anunciou a contrataçã­o até dezembro de 2022 do técnico Luiz Felipe Scolari (agora sem bigode), que treinou o time de 2000 a 2001, para a disputa da Série B
Divulgação Cruzeiro CRUZEIRO ANUNCIA CONTRATAÇíO DE LUIZ FELIPE SCOLARI O Cruzeiro anunciou a contrataçã­o até dezembro de 2022 do técnico Luiz Felipe Scolari (agora sem bigode), que treinou o time de 2000 a 2001, para a disputa da Série B
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Nascida em 23 de março de 1992, em Salvador (BA), é nadadora especialis­ta em provas de longas distâncias em águas abertas. Tem 11 medalhas em mundiais (5 ouros, 2 pratas e 4 bronzes) e foi seis vezes escolhida a melhor nadadora do mundo em águas abertas. Atleta militar, ela é beneficiár­ia também do programa Atleta Pódio do governo federal
Ana Marcela Cunha, 28 Nascida em 23 de março de 1992, em Salvador (BA), é nadadora especialis­ta em provas de longas distâncias em águas abertas. Tem 11 medalhas em mundiais (5 ouros, 2 pratas e 4 bronzes) e foi seis vezes escolhida a melhor nadadora do mundo em águas abertas. Atleta militar, ela é beneficiár­ia também do programa Atleta Pódio do governo federal

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