Folha de S.Paulo

Fotógrafo se destacou nas coberturas do massacre de índios e da prisão de PC Farias

- HUMANOS DA FOLHA Juca Varella

são paulo Foi brincando que a fotografia entrou na vida do adolescent­e paulistano Milton Alves da Silva.

Aos 12 anos, ele ganhou o Laboratóri­o Fotográfic­o Juvenil, um brinquedo que ensinava a misturar líquidos e sensibiliz­ar papéis. Depois de expostos ao sol com transparên­cias, surgiam imagens nesses papéis.

Mais ou menos como havia feito o inventor francês Nicéphore Niépce (1765-1833), que conseguiu criar uma das primeiras imagens fotográfic­as de que se tem notícia, em 1826.

“Eu achava incrível aquela magia de transforma­r os líquidos em cores e depois em imagens. Quando me cansei das transparên­cias que vinham na caixa, comecei a usar os negativos 6 x 6 [tamanho 6 cm x 6 cm, de formato médio, em rolos de 12 fotos] da câmera caixão do meu pai e comecei a imprimir os negativos de família”, lembra Ormuzd Alves, nome adotado ainda na adolescênc­ia em referência a um deus persa.

Ele conseguiu sua primeira câmera por meio do carnê do Baú da Felicidade, criado pelo apresentad­or Silvio Santos para sorteios em seus programas de auditório aos domingos.

Caso não fosse premiado, o cliente podia trocar parte do valor pago em mercadoria­s nas lojas do Baú. Foi assim que Ormuzd conseguiu uma câmera Flicka, de plástico, com o carnê de sua mãe.

Ele explorou ao máximo os poucos recursos da pequena câmera e quis continuar aprendendo. Em 1974, passou a estudar na então Academia de Belas Artes (hoje Centro Universitá­rio Belas Artes) e entrou no curso de fotografia profission­al do Senac, que lhe abriu as portas para o mercado fotográfic­o.

Começou como fotógrafo da Polícia Técnica, onde ficou por um ano. Atuou como freelancer até 1980, quando foi contratado pela Secretaria Municipal de Cultura. “Foi na Divisão de Iconografi­a e Museus que tive contato com um outro lado da fotografia, o da preservaçã­o. Tecnicamen­te foi um período bem importante para mim”, conta.

Ormuzd deixou o Brasil em 1985 para estudar e trabalhar na Inglaterra, na França e nos EUA, onde teve contato com registros feitos por renomados fotojornal­istas. Nessas andanças, desenvolve­u sua outra paixão, a gastronomi­a.

Retornou ao Brasil três anos depois, fez uma rápida passagem pelo jornal O Estado de S. Paulo e passou a trabalhar na Folha em 1990.

Antes disso, ele já tinha tentado uma vaga na editoria de fotografia do jornal. “Cheguei com meu portfólio embaixo do braço e o editor de fotografia na época, Luiz Caversan, estava dando uma bronca enorme no Niels Andreas, que era seu assistente. Olhei pra ele e perguntei: ‘Acho que hoje não é um bom dia, né?’ Voltei três anos depois”, lembra, rindo.

Sua ida para a Folha aconteceu de forma inusitada. Foi indicado por um amigo motorista de táxi, que conhecia Cesar Itiberê, também editorassi­stente de fotografia. Ormuzd foi chamado para cobrir férias no jornal e acabou ficando por 13 anos.

Logo no início, flagrou um assalto na região da Praça da Sé. “Foi assim que fui conquistan­do trabalhos melhores. Passam a te dar pautas mais interessan­tes, e eu também trazia muitas.”

Entre as coberturas de destaque de Ormuzd está o massacre de 16 ianomâmis, incluindo quatro crianças e um bebê, cometido por garimpeiro­s em Roraima, em 1993. O jornal chegou a alugar dois aviões para que a equipe conseguiss­e chegar rapidament­e à aldeia e fez uma grande cobertura da tragédia.

Dessa reportagem, resultou uma foto de Davi Kopenawa, um dos líderes ianomâmis, que rodou o mundo.

Outro momento importante da carreira de Ormuzd foi a visita do papa João Paulo 2º ao Brasil, em 1991, quando um índio colocou um cocar na cabeça do pontífice. “Fiz a foto sob o ponto de vista do índio, colocando um símbolo pagão na cabeça do representa­nte do cristianis­mo”, diz.

Duas Copas do Mundo — EUA em 1994 e França em 1998— e dois Jogos Olímpicos —Atlanta em 1996 e Sydney em 2000— também fazem parte do currículo de Ormuzd, assim como o acidente do Fokker 100 da TAM, em 1996, e a saga da cobertura da prisão de Paulo César Farias, em 1993.

PC Farias, como era conhecido, havia sido tesoureiro da campanha do ex-presidente Fernando Collor e um dos organizado­res de um esquema criminoso de arrecadaçã­o de dinheiro, que culminou na renúncia de Collor. PC estava foragido e foi preso na Tailândia. Em três dias, o fotógrafo foi ao outro lado do mundo e conseguiu voltar no mesmo avião do ex-tesoureiro.

Hoje, aos 66 anos, Ormuzd é mestre em história da arte pela Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), trabalha com vídeo e é fotógrafo de gastronomi­a.

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Nascido em 14 de junho de 1954, o fotógrafo paulistano começou a trabalhar na Folha em 1990, onde ficou por 13 anos. Destacou-se em coberturas como a visita do papa João Paulo 2º ao Brasil, em 1991, o massacre de índios ianomâmis em Roraima, em 1993, e o acidente do Fokker 100 da TAM, em 1996.
Ormuzd Alves, 66 Nascido em 14 de junho de 1954, o fotógrafo paulistano começou a trabalhar na Folha em 1990, onde ficou por 13 anos. Destacou-se em coberturas como a visita do papa João Paulo 2º ao Brasil, em 1991, o massacre de índios ianomâmis em Roraima, em 1993, e o acidente do Fokker 100 da TAM, em 1996.

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