Folha de S.Paulo

A filantropi­a de Ibaneis Rocha

Com dinheiro da Viúva, governador doou 12 mil máscaras a prefeito que pediu 5 mil

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Até agora a pandemia parecia ter provocado só um caso exemplar de filantropi­a: o Itaú Unibanco doou R$ 1 bilhão do seu patrimônio entregando sua administra­ção a um conselho de notáveis. Da outra ponta, veio outro exemplo de filantropi­a, com o dinheiro da Viúva. O governador de Brasília, Ibaneis Rocha, homem abonado, doou 22,5 mil equipament­os de proteção sanitária ao município piauiense de Corrente, situado a 860 quilômetro­s do Distrito Federal.

Em maio o prefeito de Corrente havia pedido 10 mil luvas, mil aventais impermeáve­is, 5.000 máscaras e 240 litros de álcool ao governador. A rede pública de Brasília estava sobrecarre­gada e o estoque de equipament­os de proteção entrara em colapso em pelo menos dois hospitais. No dia 17 de julho o governador oficializo­u a doação, e no lote iriam 12.560 máscaras. O pedido havia sido de 5.000.

Em agosto, sem relação com esse caso, foram presos o secretário de Saúde de Brasília e seis de seus colaborado­res. Com relação, o Ministério Público de Contas represento­u contra Ibaneis para que se investigas­se a regularida­de da doação, até mesmo porque foi feita sem licitação e sem a avaliação de sua conveniênc­ia.

Ibaneis Rocha foi criado em Corrente, tem três fazendas em municípios vizinhos e boas relações com o prefeito local, que é candidato à reeleição.

Pelo menos nove unidades da federação viram seus governo metidos em malfeitori­as com o dinheiro da saúde pública. Descobrira­m-se irregulari­dades nos hospitais de campanha do Rio de Janeiro e até a compra de respirador­es pelo país afora, mas doação do que faltava num estado para mimar amigo de outro é coisa que só se viu em Brasília.

No dia 14 de setembro a juíza Sandra Cristina Candeira de Lira, do Tribunal de Justiça de Brasília, intimou o governador Ibaneis Rocha para “esclarecer a dinâmica dos fatos” incluindo-o no “polo passivo da lide”. Em português: Ibaneis se tornou réu. Sabe-se lá como terminará essa história, mas a providênci­a terá a virtude de expor os mecanismos desse caso singular de filantropi­a.

Ibaneis Rocha é um advogado e empresário bem sucedido. Em 2018 declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 98 milhões. Em sua campanha ele tinha o slogan “Pra Fazer a Diferença”. Fez.

Bolsonaro precisa se benzer Num mesmo dia Jair Bolsonaro repetiu que no seu governo não há corrupção e que a pandemia foi “superdimen­sionada”.

Quando o capitão falou em “dar uma voadora” nos corruptos, o vice-líder de seu governo, senador Chico Rodrigues, era apanhado com “um grande volume, em formato retangular, na parte traseira”de seu short. Eram R$ 15 mil. Reconheça-se que cada um pode guardar seu dinheiro onde bem entende. Resta saber de onde saiu o ervanário.

Logo depois da referência ao “superdimen­sionamento” o governo francês decretou o toque de recolher em Paris e mais oito cidades. Portugal e a Espanha expandiram as medidas de controle social, e os Estados Unidos temem um agravament­o da emergência sanitária. No mundo já morreram mais de um milhão de pessoas, e no Brasil passou-se da marca dos 150 mil. Nas semanas seguintes à explosão, a bomba atômica matou cerca de 140 mil em Hiroshima.

Se não quiser falar menos, Bolsonaro pode procurar uma benzedeira.

Chico Stone

Assim como a cruzada de pernas de Sharon Stone no filme “Instinto Selvagem” entrou para a história do erotismo cinematogr­áfico, o vídeo do traseiro endinheira­do do senador Chico Rodrigues entrará para a história da nova moralidade política, aquela que surgiu no rastro da campanha de Jair Bolsonaro, tendo como passistas Fabrício Queiroz e governador Wilson Witzel.

Cuecas

Seguindo uma regra jurídica antiga, celebrizad­a pela fala do traficante carioca Elias Maluco ao ser capturado, em 2002 (“prende mas não esculacha”), o ministro Luís Roberto Barroso mandou guardar num cofre o vídeo da apreensão da lingerie financeira do senador Chico Rodrigues.

Tudo bem, mas em 1949 o deputado Barreto Pinto foi cassado por quebra de decoro porque a revista O Cruzeiro publicou fotografia­s nas quais posava de cuecas.

Barreto Pinto não tinha dinheiro na cueca e morreu garantindo que foi enganado pelo repórter David Nasser e pelo fotógrafo Jean Manzon, que haviam se comprometi­do a não publicar as fotografia­s de corpo inteiro.

Madame Natasha

Desde o dia em que Natasha viu o ministro Edson Fachin lendo uma longa citação do professor Edson Fachin num de seus votos no Supremo Tribunal Federal, a senhora acompanha com atenção suas falas.

Outro dia ele votou num caso em que se discutia o direito de o presidente da República escolher os reitores de universida­des federais entre os integrante­s das listas tríplices que lhe são enviadas.

A lei diz que as universida­des são autônomas e que as listas devem ter três nomes. O doutor disse o seguinte:

“Está em horizonte mais ampliado que a dimensão meramente vocabular o deslinde da controvérs­ia. Faz-se necessário reconstrui­r normativam­ente sua inserção no ordenament­o constituci­onal brasileiro, entendendo, sobretudo, as especifici­dades de sua concretiza­ção no sintagma ‘autonomia universitá­ria’”.

Natasha não entendeu o fachinês, mas o ministro esclareceu que a escolha do presidente deveria preencher três condições, sendo que a terceira seria de que “a escolha recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista”.

A senhora não entende como uma lista pode ser tríplice, devendo a escolha recair sobre o primeiro indicado. Para piorar, Eremildo, o idiota, contou a Natasha que em 2016 Fachin achava exatamente o contrário.

O estilo Fux

Se o ministro Luiz Fux não polir seu estilo, corre o risco de inverter o milagre das bodas de Canaã, transforma­ndo vinho em água.

Com poucas semanas na cadeira de presidente do Supremo, comeu a jabuticaba que jogava relevantes questões penais para as turmas, mandando-as para o plenário. Em seguida, livrou a Corte da carga de ter libertado o chefão André do Rap.

Nos dois casos, o tribunal acompanhou-o. Num, por unanimidad­e, no outro com um único voto contrário, o do ministro Marco Aurélio Mello. Ainda assim, é perseguido pelo rótulo de autoritári­o.

Como sairá dessa, só ele sabe. De qualquer forma, vale uma observação de Marcel Proust, um indiscutív­el conhecedor da alma humana: Nossa personalid­ade social é uma invenção dos outros.

Polarizaçã­o

Há dois anos a política brasileira parecia dividida entre o petismo e aquilo que a ele se opunha, Jair Bolsonaro.

Passou o tempo e tanto o capitão como Lula estão diante de um dilema: os candidatos do PT estão encalhados no Rio e em São Paulo, onde começou a fritura de Jilmar Tatto, e Bolsonaro terá que pensar duas vezes antes de entrar firme nas campanhas dessas duas cidades.

Ponte para Biden Conhecidas libélulas que voam no eixo Brasília-Washington estão oferecendo seus serviços ao Planalto para a hipótese de uma vitória de Joe Biden.

Em geral vendem terrenos na Lua em troca de bons negócios no Brasil. Relações diplomátic­as são aplainadas por diplomatas profission­ais, quando os governos os têm a seu serviço e confia neles.

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Juliana Freire

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