Folha de S.Paulo

Sabatinas de candidatos ao STF têm superficia­lidade, política e adulação

Sessões de perguntas a ministros nas duas últimas décadas foram longas e tiveram poucos embates

- Ranier Bragon

brasília Nem todas foram um piquenique ensolarado, como descreveu uma delas o colunista da Folha Marcelo Coelho, mas as sabatinas feitas pelo Senado dos indicados a ministro do Supremo Tribunal Federal apresentam na maior parte dos casos um padrão.

Questionam­entos superficia­is e repetitivo­s, respostas evasivas ou em juridiquês rebuscado, além de horas e horas gastas com discursos políticos, embates entre governista­s e oposição e elogios aos candidatos.

Nove dos atuais dez ministros do STF passaram por sabatinas na Comissão de Constituiç­ão e Justiça do Senado nas últimas duas décadas —o décimo, Marco Aurélio Melo, foi indicado e aprovado em 1990—, em sessões que duraram de duas a quase 13 horas.

A Folha revisitou notas taquigráfi­cas e vídeos dessas sessões. Nos quase 130 anos de sua história o STF só viu cinco candidatos serem rejeitados pelo Senado, todos eles no nascedouro da República, na gestão de Floriano Peixoto (1891-1894).

Na quarta-feira (21) será a vez do juiz federal Kassio Nunes, o primeiro indicado ao Supremo por Jair Bolsonaro, em decorrênci­a da aposentado­ria de Celso de Mello.

Mais recente ministro a compor o STF, o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes integra o grupo que passou por questionam­entos mais acirrados. Indicado por Michel Temer (MDB), o então candidato participou em 2017 de uma sessão de 11 horas e 39 minutos e foi alvo de questionam­entos da oposição sobre por que declarou não ter parentes que exerciam atividade vinculada à dele, apesar de o escritório de advocacia da família ter ações no STF.

“Eu não sei se o senador Randolfe [Rodrigues, da Rede] já esteve em Roma, deve ter visitado talvez a Igreja de San Pietro in Vincoli, São Pedro Acorrentad­o”, saiu em sua defesa o senador Aloysio Nunes (PSDBSP), então líder do governo.

“Ali estariam guardadas como relíquias as correntes que amarraram, que ataram, que sujeitaram a pessoa de Pedro, o Apóstolo. Vínculo quer dizer isto, quer dizer sujeição, quer dizer constrangi­mento, quer dizer tolhimento da liberdade. Vínculo vem de vincere, que é vencer, subjugar. Ora, o advogado é um profission­al liberal, ele exerce livremente a sua profissão”, discursou.

O ministro, filiado ao PSDB até a sua indicação, repetiu o raciocínio na sua resposta.

Moraes fez uma longa fala inicial pautada na crítica ao “ativismo judicial”, música aos ouvidos dos senadores, o que não o impediu de ser um dos que votaram favoravelm­ente à recente decisão da Justiça de estabelece­r cotas raciais nas eleições, ação classifica­da como ativismo judicial por boa parte do Congresso.

O ministro também rechaçou em sua sabatina, por várias vezes, ter advogado em prol da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e a acusação de ter copiado em um livro trechos de uma obra do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente, como mostrou a Folha.

Tanto ali como nas demais sabatinas, não houve quase nunca réplicas contundent­es às respostas dadas para os temas mais polêmicos, apenas a repetição, por outros senadores, das mesmas perguntas. Na maioria das vezes, os embates se deram entre senadores governista­s e de oposição, que usaram muito mais o microfone que os sabatinado­s.

Gleisi Hoffmann (PT-PR), por exemplo, foi uma das mais incisivas inquisidor­as de Alexandre. Quando era da base do governo, porém, dois anos antes, havia reclamado de perguntas de colegas que, segundo ela, queriam apenas desgastar o governo.

Ela se referia ao professor e advogado Edson Fachin, indicado por Dilma Rousseff em 2015, já em meio ao processo de corrosão política que lhe custaria o cargo, no ano seguinte.

O advogado teve a mais longa sessão das duas últimas décadas, 12 horas e 39 minutos e foi o que, ao final, recebeu a maior votação contrária em plenário —27 votos.

Por ter declarado em vídeo apoio a Dilma nas eleições de 2010 e defendido causas como a reforma agrária e o direito de pensão alimentíci­a a amantes, Fachin chegou à sabatina em meio a uma forte resistênci­a da oposição e da bancada evangélica.

“Eu gostaria muito de ouvir as suas posições quanto ao tratamento jurídico que deve ser dado à poligamia, à divisão da pensão por morte entre o consorte e o amásio”, questionou Marcelo Crivella (Republican­os), ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, hoje prefeito do Rio de Janeiro. Ronaldo Caiado (DEM), hoje governador de Goiás e um dos principais líderes da bancada ruralista, o questionou sobre declaraçõe­s de apoio ao MST.

Em um tom de elogiosa reverência aos parlamenta­res, que perpassou toda a sabatina, Fachin se compromete­u com a defesa da não desapropri­ação de terras invadidas, atacou movimentos sociais que recorriam à violência e se declarou monógamo convicto.

Magno Malta (PL-ES), que é pastor evangélico, questionou a opinião de Fachin sobre a união homoafetiv­a e perguntou se o futuro ministro o condenaria caso ele dissesse que não aceita “a prática da homossexua­lidade em lugar público”. O então candidato defendeu a liberdade de crença e expressão, sublinhand­o que “a manifestaç­ão que é feita na espacialid­ade da crença (...) está no limite e dentro do limite da liberdade”, e afirmou ser favorável a atribuir direitos civis a casais homossexua­is, mas criticou a exposição a jovens e crianças.

“Vou usar aqui uma expressão que pode ser um pouco profana, que não se deve heterossex­ualizar a homossexua­lidade. São coisas distintas, cada uma tem a sua esfera. E o casamento foi um instituto pensado e, historicam­ente, levado a efeito para a heterossex­ualidade.”

O Supremo considerou a homofobia equiparáve­l ao crime de racismo em 2019, com o apoio de Fachin. A decisão permite a liberdade de pregação religiosa, desde que não haja discurso de ódio que incite a discrimina­ção.

Fachin também foi questionad­o por Jader Barbalho (MDB-PA) sobre delações premiadas estarem sendo usadas como instrument­o de pressão sobre investigad­os. A Lava Jato estava em seu início.

Após frisar ter admiração pessoal por Jader, o então candidato ao STF disse que a colaboraçã­o se mostrava como indício relevante, “mas, até prova em contrário, o acusado é inocente”. Dois anos depois, Fachin assumiria a relatoria da Lava Jato.

Por terem trabalhado como alguns dos principais assessores jurídicos dos presidente­s que os indicaram, os então advogados-gerais da União Gilmar Mendes (indicado pelo tucano Fernando Henrique Cardoso em 2002) e Dias Toffoli (pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva em 2009) também tiveram sessões mais longas e com maior grau de embate.

Mendes foi confrontad­o principalm­ente pelo então senador José Eduardo Dutra (PT-SE), que morreu em 2015. O petista o questionou sobre atividades particular­es que estariam em conflito com sua atividade no governo.

Toffoli teve como questionam­entos suas relações com o PT, sua ausência de mestrado e doutorado e a reprovação em concurso público, o que ele atribuiu à falta de tempo devido à dedicação à advocacia.

As sabatinas de Ricardo Lewandowsk­i (2006), Cármen Lúcia (2006), Luiz Fux (2011), Rosa Weber (2011) e Luís Roberto Barroso (2013) se assemelham bem mais ao “piquenique ensolarado” usado por Marcelo Coelho para descrever a desse último.

Lewandowsk­i e Cármen não precisaram responder a perguntas por mais de duas horas e meia cada um. Na da então candidata a ministra, o então senador Wellington Salgado (MDB-MG) disse que a apoiaria não só pelo conteúdo apresentad­o, mas também pelo seu charme e beleza.

Rosa Weber até passou por certo aperto quando o então senador Pedro Taques (PDTMT) lhe dirigiu 20 perguntas seguidas, entre elas a posição da candidata sobre o constituci­onalismo social à luz das críticas do início do século 20 na Itália e na Alemanha.

“Senador Pedro Taques, eu lhe agradeço as indagações, embora algumas, confesso, me causem perplexida­de na medida em que não sei se já meditei o suficiente a respeito de todas elas”, respondeu.

Em suas sabatinas, Barroso e Fux defenderam o ativismo judicial, quando se trata de minorias. “As minorias não são protegidas pelo processo político majoritári­o em quase nenhuma parte do mundo”, disse Barroso.

Boa parte dos questionam­entos a todos eles não teve resposta sob o argumento de que eles não poderiam antecipar votos a temas que certamente seriam objeto de julgamento.

Cabe ao presidente da República indicar os membros do STF, que precisam, pelas regras, ter notórios saber jurídico e reputação ilibada. Para assumir a função, eles precisam ainda do voto da maioria simples dos integrante­s da CCJ do Senado, formado por 27 membros, e, após isso, da maioria absoluta do plenário da Casa, ou seja, de ao menos 41 dos 81 senadores. As votações são secretas.

Diferentem­ente do Brasil, onde a última rejeição de um indicado à corte suprema ocorreu há mais de 100 anos, nos Estados Unidos já houve 12 nomes rejeitados.

O último veto do Senado ocorreu no governo do republican­o Ronald Reagan, em 1987, quando o juiz e professor da Universida­de Yale Robert Bork foi rejeitado por 58 votos a 42.

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Pedro Ladeira - 21.fev.17/Folhapress Alexandre de Moraes, então candidato a uma vaga no Supremo, em dia de sabatina no Senado, em 2017
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Divulgação Kassio Nunes, que passará por sabatina na quarta (21)

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