Folha de S.Paulo

Médicos de família são a base dos sistemas de saúde no Japão e no Canadá

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Eberhart Portocarre­ro Gross médico de família na favela da Rocinha, no Rio, e coordenado­r de atenção primária à saúde do Centro Internacio­nal da Longevidad­e (ILC)

“Sinto dores na cabeça e nos olhos, vou a um neurologis­ta ou a um oftalmolog­ista?”, “O remédio para o joelho interfere no do estômago?”, “Essas palpitaçõe­s são ansiedade ou problema cardíaco?”.

Com a idade, aumenta a chance de fazermos perguntas desse tipo. Além de angustiant­es, apontam para os riscos de diagnóstic­os tardios, de interações medicament­osas e outros. Não seria bom dispor de um modo para resolver tudo isso? Pois trago boas novas: há. Chama-se medicina de família e comunidade.

Os especialis­tas nessa área podem ser entendidos como uma versão atualizada do “médico de antigament­e”. Todos temos uma ideia daquele tipo que atendia toda a família, no consultóri­o ou em casa, sem restrição de idade, gênero ou problema de saúde.

Mas será que isso ainda é possível, com tantas descoberta­s científica­s acontecend­o todos os dias? Mais uma vez, a resposta é encorajado­ra.

Em vez de focarem em um órgão ou uma faixa etária, esses médicos estudam bem as doenças mais comuns da população. Por acompanhar­em as pessoas ao longo de anos, em momentos felizes, como o nascimento de um filho, ou tristes, como o diagnóstic­o de um câncer, conhecem não só o histórico, mas a personalid­ade e as caracterís­ticas daqueles indivíduos, seus valores e preferênci­as. Colocam as inovações da medicina a serviço das pessoas que atendem, e não o contrário.

Também consideram, como o nome da especialid­ade indica, as relações familiares e sociais, que tanto impactam nossos adoeciment­os e são impactadas por elas.

Como atendem “de tudo”, não precisam se preocupar com as falsas separações entre corpo, mente, sociedade, ambiente: conseguem olhar o quadro, complexo, de uma só vez. Com o tempo, estabelece­m fortes relações de confiança e compromiss­o.

Aos que permanecem céticos, vale dizer que tudo isso já foi confirmado na prática e em estudos científico­s.

Afinal, boa parte da Europa, Japão e Canadá baseiam seus sistemas públicos de saúde na chamada atenção primária, em que médicos de família, muitas vezes em equipe com outros profission­ais, resolvem cerca de 85% das questões que lhes são trazidas e compartilh­am com médicos de outras especialid­ades o manejo das 15% restantes.

Voltemos às dúvidas e aos riscos lá do início. É claro que ambos podem compromete­r muito a nossa longevidad­e, mas também já está óbvio que existe saída. Ainda há tempo para agirmos, como indivíduos e como sociedade. Para chegar bem aos cem, providenci­e desde logo seu médico de família. Melhor ainda, defenda um sistema público de saúde com médicos de família e comunidade.

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