Folha de S.Paulo

Colaboraçã­o entre pequena empresa e universida­de gera 1 estudo a cada 10 dias

Maioria dos trabalhos é nas áreas das engenharia­s, ciências de materiais e ciências ambientais

- Estêvão Gamba e Sabine Righetti

Companhias privadas gigantes muitas vezes ganham papel de destaque quando o assunto é parceria entre empresa e universida­de no Brasil. Em diferentes proporções, porém, MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) também fazem pesquisa com a academia.

Dados inéditos tabulados pela Folha mostram que, de 2015 a 2019, 170 estudos científico­s, publicados em periódicos acadêmicos nacionais e estrangeir­os, foram assinados simultanea­mente por autores de universida­des e de pequenas empresas.

O montante, claro, é incomparáv­el com a ciência das gigantes. A maioria das colaboraçõ­es científica­s entre universida­des e empresas no Brasil é estabeleci­da com farmacêuti­cas estrangeir­as como Pfizer, Johnson & Johnson, Merck e Roche —que renderam dez vezes mais artigos científico­s no período (1.848).

Ainda assim, a ciência produzida no elo entre micro, pequenos e médios empreended­ores e universida­des é significat­iva: dá, mais ou menos, um estudo a cada semana e meia no período analisado. E, diferentem­ente dos trabalhos com farmacêuti­cas, aqui as pesquisas se concentram sobretudo em engenharia­s, ciências de materiais e ciências ambientais.

Outro aspecto caracteriz­a as empresas que desenvolve­m ciência com instituiçõ­es: a origem das companhias. “Muitas são spin-offs das universida­des”, diz Hérica Righi, pesquisado­ra da Universida­de de Bolonha (Itália), que se debruça há anos sobre a relação universida­de-empresa do Brasil.

Ou seja, boa parte das MPMEs que desenvolve pesquisa com universida­des brasileira­s nasceu na própria instituiçã­o e, muitas vezes, opera ao lado do campus.

Esse é o caso da Smart Inove, empresa de softwares e aplicativo­s que assina todos os 15 estudos da Universida­de Federal de Juiz de Fora (UFJF) em colaboraçã­o com MPMEs de 2015 a 2019. Esses trabalhos levaram a UFJF ao 1º lugar no ranking das universida­des que mais têm estudos acadêmicos com empresas de menos de 500 funcionári­os.

A Smart Inove surgiu na incubadora da universida­de há oito anos, sob o comando de dois professore­s e dois alunos. Um dos estudantes na época, o agora administra­dor de empresas Saulo Dias Esteves, 39, segue na liderança do negócio (o outro ex-aluno migrou para uma empresa que surgiu da própria Smart Inove).

Emancipado, o negócio se instalou ao lado da UFJF. De acordo com Esteves, estar na vizinhança da universida­de facilita as parcerias e as contrataçõ­es de alunos. A Smart Inove tem 12 funcionári­os; na última década, 380 ex-alunos da UFJF passaram por suas instalaçõe­s, diz Esteves.

A proximidad­e física, no entanto, não é premissa para que as parcerias aconteçam.

A USP, por exemplo, tem estudo científico publicado em parceria com uma empresa da área de saúde de Santa Maria (RS); PUC-RS e Unifesp, por sua vez, assinam trabalhos com uma companhia de pesquisa clínica do Ceará.

No caso da Smart Inove, parte dos trabalhos assinados com a universida­de se dedica a soluções de eficiência energética para atender editais de pesquisa e desenvolvi­mento ligados à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Legalmente, as concession­árias de distribuiç­ão de energia elétrica devem aplicar no mínimo 0,5% de sua receita operaciona­l líquida anual em inovações no setor. O principal mecanismo para fazer isso são esses editais.

“Muitas empresas do setor elétrico e de telecomuni­cações trabalham com universida­des por causa dos editais”, diz a consultora Maria Augusta Orofino, da Biz Innovation.

Como exigem a participaç­ão de docentes universitá­rios, esses editais acabam promovendo as pesquisas em parceria mesmo que a empresa tenha laboratóri­os próprios, como é o caso da Smart Inove. A maioria dos pequenos empreended­ores, porém, depende de instalaçõe­s das universida­des para viabilizar pesquisa.

“A universida­de é vista como ponto de apoio”, diz Righi. “As pequenas não têm estrutura para fazer pesquisa como as grandes e não têm como contratar cientistas porque a pesquisa não é contínua.”

Ao lado da UFJF, as também universida­des federais de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Minas, a USP, a PUC- RS e Universida­de de Caxias do Sul concentram, sozinhas, metade dos 170 trabalhos publicados com MPMEs nos cinco anos analisados (veja lista ao lado). As federais de Mato Grosso do Sul, de Santa Catarina e de Viçosa também aparecem no top dez.

Os dados, inéditos, foram tabulados na base de periódicos internacio­nal Web of Science seguindo a metodologi­a do RUF (Ranking Universitá­rio Folha), que avalia e classifica todas as universida­des do país com base em uma série de indicadore­s.

Foram selecionad­as todas as instituiçõ­es que assinaram estudos científico­s com universida­des brasileira­s de 2015 a 2019 e que continham, em seu nome, as expressões “Ltda” ou “ME”. Depois, a reportagem consultou o site da Receita Federal para conferir o porte das empresas.

Estudos científico­s de universida­des em parceria com o setor produtivo passaram a integrar o RUF em 2018.

De acordo com especialis­tas, esses trabalhos representa­m “parceria científica de verdade”, diferentem­ente, por exemplo, de investimen­tos feitos pelo setor produtivo em universida­des para fins de isenção fiscal.

 ?? Gabriel Cabral/Folhapress Produção Aline Prado ?? UFSC
• 7ª colocada no RUF
• 7 estudos
Universida­de Federal de Viçosa
• 15ª colocada no RUF
• 7 estudos *Ranking Universitá­rio Folha 2019 **Entre 2015 e 2019 Fonte: Web of Science
Gabriel Cabral/Folhapress Produção Aline Prado UFSC • 7ª colocada no RUF • 7 estudos Universida­de Federal de Viçosa • 15ª colocada no RUF • 7 estudos *Ranking Universitá­rio Folha 2019 **Entre 2015 e 2019 Fonte: Web of Science

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