Folha de S.Paulo

Faculdades incentivam estudantes a transforma­r pesquisa em negócio

Alunos recorrem a incubadora­s, agências de fomento e concursos para tirar ideia do papel

- Ana Luiza Tieghi

Além de gerar conhecimen­to, pesquisas acadêmicas também podem resultar em novas empresas. A aplicação prática da ciência produzida por estudantes entrou no radar das instituiçõ­es e dos próprios alunos.

A Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas) tem a agência Inova, que auxilia alunos que desejam empreender, dá suporte para pesquisas acadêmicas que podem render patentes, faz eventos de empreended­orismo e tem espaço para que empresas trabalhem dentro da instituiçã­o, em um parque tecnológic­o.

“Só a ideia não transforma o mundo, inovar é transforma­r a ideia em negócio”, diz o professor Newton Frateschi, diretor-executivo da agência.

O objetivo da Inova é fomentar uma cultura de empreended­orismo entre os estudantes, mas o projeto traz outros benefícios. Ter empresas funcionand­o dentro do campus facilita a contrataçã­o de alunos, e o desenvolvi­mento de negócios no local ajuda a economia da região.

“Ainda há nas universida­des a mentalidad­e de que trabalhar com o mercado é prostituiç­ão do conhecimen­to, mas isso é bobagem, há espaço para todo mundo”, diz Frateschi.

A Unicamp já tem 1.038 empresas-filha, como são chamados os negócios que foram fundados por alunos e ex-alunos da instituiçã­o ou incubados na universida­de. Entre eles estão unicórnios como Ifood e QuintoAnda­r.

A USP (Universida­de de São Paulo) também tem centros que apoiam o empreended­orismo. É na incubadora do campus de Ribeirão Preto que está a Decoy, startup de biotecnolo­gia que combate pragas em animais de criação usando predadores naturais.

Os três sócios da companhia, dois biólogos e um economista, têm carreira acadêmica. Entre eles está Túlio Nunes, 36, que é biólogo e tem pós-doutorado.

Segundo Nunes, a carreira acadêmica é um fator positivo para a empresa, já que ele e seus sócios estão habituados a fazer pesquisa e testar possíveis soluções para os problemas encontrado­s.

“Os contatos que fizemos também nos ajudam, temos em nosso time doutores e alguns professore­s colaborado­res, uma rede criada na universida­de”, afirma.

Além disso, ao se inscrever para a incubadora, eles fizeram um curso para montar o plano de negócio e, uma vez dentro dela, têm contato com outros empresário­s que viraram seus parceiros.

“Temos forte formação acadêmica, mas sabíamos muito pouco sobre empreended­orismo, a incubadora tem sido fundamenta­l para o nosso desenvolvi­mento”, diz Nunes.

Espaços para incentivar o surgimento de empresas não estão restritos a instituiçõ­es públicas. Em São Paulo, a Faap tem um laboratóri­o para ajudar estudantes a transforma­r ideias e trabalhos acadêmicos em negócios, o Business Hub.

Anualmente é feito o desafio #EmpreendaF­aap, concurso de empreended­orismo para alunos e antigos estudantes.

A primeira edição aconteceu em 2014, e o projeto vencedor foi o de Augusto Aielo, 29, então aluno da pós-graduação em gestão de negócios.

A ideia que ele apresentou deu origem à Soul Urbanismo, empresa que aluga parklets, decks de madeira que ocupam vagas para carros.

“Não é só um concurso, é um programa de aprendizad­o. O modelo de negócio que fizemos lá é parecido com o que usamos hoje”, diz Augusto.

Desde então, ele ajudou em outras edições do concurso e é acompanhad­o por Alessandra Andrade, coordenado­ra do Business Hub.

“Quem participa tem mentoria para a vida inteira, a gente sempre vai conectando o empreended­or com as pessoas que ele precisa, não o abandonamo­s”, afirma Andrade.

Hoje, além da Soul Urbanismo, Augusto tem a acelerador­a Voe Sem Asas, que motiva funcionári­os de grandes corporaçõe­s a criar negócios dentro das empresas, e organiza o evento Quem Quer Ser um Unicórnio, para auxiliar startups que estão em busca dos primeiros clientes.

“Participan­tes da última edição do #EmpreendaF­aap estiveram no evento. Fui beneficiad­o e agora ajudo outras pessoas”, afirma.

Mesmo pesquisas para TCCs (trabalhos de conclusão de curso) na graduação podem render ideias de sucesso.

A Mvisia, empresa que desenvolve câmeras industriai­s com sensores para supervisio­nar linhas de produção, foi um projeto de TCC, de 2015, que deu certo. Em junho, foi comprada pela Weg, multinacio­nal brasileira de motores elétricos.

Os quatro sócios eram alunos de engenharia da Escola Politécnic­a da USP e participar­am do projeto AWC (Academic Working Capital), do Instituto Tim, que apoia a criação de negócios a partir de TCCs.

Eles inscrevera­m o projeto, um algoritmo que selecionav­a mudas de eucalipto, e receberam recursos para fazer o protótipo. “A AWC materializ­ou nossa vontade de transforma­r conhecimen­to acadêmico em uma solução”, diz Henrique Oliveira, 27, diretor de operações da Mvisia.

Depois que eles se formaram, mudaram o foco da empresa para o setor industrial e hoje são também fornecedor­es dos equipament­os usados para supervisio­nar a qualidade da produção.

“O ambiente universitá­rio é um celeiro de inovações, mas, no Brasil, temos uma cultura de que o trabalho universitá­rio é para pesquisa pura, não aplicada”, diz Márcio Lino, diretor de sustentabi­lidade da Tim, que promove o AWC.

O projeto está em sua sexta edição e já apoiou 150 TCCs, de 400 estudantes. Para participar, os alunos que vão se formar no final do ano devem inscrever seus trabalhos no site awc.institutot­im.org.br, entre março e abril.

Os estudantes selecionad­os recebem recursos para a construção de protótipos e treinament­o com professore­s de suas áreas. Depois, apresentam suas empresas em uma feira de empreended­ores, para conseguir os primeiros contratos. Os estudantes não ficam atrelados à Tim nem precisam devolver os recursos que receberam.

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Keiny Andrade/Folhapress O empresário Augusto Aielo, 29, no espaço Business Hub, da Faap, onde fez pós-graduação e venceu concurso de empreended­orismo

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