Transposição do S. Francisco deve ter leilão cancelado
brasília Divergências entre ministérios devem levar o governo a desistir de entregar à iniciativa privada os serviços da transposição do rio São Francisco.
A decisão pode ser tomada pelo conselho do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) ainda esta semana.
Após reportagem da Folha mostrar, na semana passada, que os estudos sobre a concessão estão adiantados e o leilão da obra hídrica foi programado para 2021, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reclamou da proposta.
Segundo interlocutores, Bolsonaro disse acreditar que isso poderia ser visto como tentativa do governo de vender a água dos nordestinos.
Eles afirmam que o presidente não quer fortalecer o discurso de opositores e demonstrou preocupação sobre o fato de a informação ter sido veiculada dias antes do segundo turno das eleições municipais, o que poderia desgastar sua relação com aliados na região.
A inclusão do projeto de integração do rio São Francisco na carteira do PPI foi assinada em agosto de 2019 por Bolsonaro e o então ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto.
A proposta continua sendo defendida pelo ministério, hoje com Rogério Marinho.
Então, o PPI estava na Casa Civil. Hoje, o órgão que estuda e organiza parcerias do governo com o setor privado está no Ministério da Economia.
Na semana passada, a proposta para o São Francisco foi centro de um embate entre diferentes alas do governo.
Além do Ministério do Desenvolvimento Regional, técnicos do PPI creem que seria importante e livraria o governo de um gasto milionário para manter a transposição.
Só a operação do empreendimento tem custo anual próximo a R$ 280 milhões, integralmente bancado pelo Tesouro Nacional.
Outros R$ 10,8 bilhões já foram gastos diretamente na obra. A conclusão está prevista para o primeiro semestre do ano que vem a um custo total de R$ 12 bilhões.
No plano do Ministério do Desenvolvimento Regional, colocado em estudo no PPI, a licitação federal de concessão seria feita em julho de 2021.
O ministro Paulo Guedes (Economia) e auxiliares, no entanto, discordam da proposta de concessão. O argumento é que a operação é extremamente complexa e não atrairá investidores privados.
Para membros da equipe econômica, esse tipo de concessão é inviável porque o agente privado que participar da licitação terá de considerar uma série de riscos.
Além do alto custo, dos problemas de manutenção da obra e da possibilidade de coleta ilegal de água, a empresa teria de lidar com quatro estados que recebem as águas — Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Ainda não há consenso entre os entes e o governo federal sobre a forma de cobrança pelo uso do sistema. A água que começou a ser entregue, ainda em fase de testes, não é paga pelos governos regionais.
O tema deve ser levado para discussão ao conselho do PPI, composto por Bolsonaro, sete ministros e os presidentes da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), este último responsável pelos estudos sobre o modelo da operação.
No encontro, Guedes vai propor que seja retirado da carteira de projetos do PPI.
Membros do governo dizem que Bolsonaro já deu aval a Guedes para fazer a proposta.
O secretário de Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira, disse à Folha que não conhece nenhum empreendimento do tipo que seja tocado por empresas privadas.
Para ele, o modelo ideal envolve controle do Estado, com integração a produtoras de energia elétrica, reduzindo o custo do empreendimento.
“A grande dificuldade do projeto é querer que se sustente pura e simplesmente com o pagamento da água”, disse.
“Todo projeto dessa envergadura no mundo associa o uso da energia elétrica com a oferta de água. O lucro da energia subsidia a oferta de água”, disse Teixeira, defendendo que uma parcela do sistema da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) seja integrada à transposição.
“Não conheço um projeto desse porte que a iniciativa privada gerencie, nem nas economias mais liberais. Caberia mais um organismo estatal que associasse geração de energia com venda de água”, afirmou.
Segundo o secretário, governadores dos estados envolvidos devem se reunir novamente com representantes da União nas próximas semanas para buscar um acordo sobre os pagamentos.
Na semana passada, em publicação em redes sociais após veiculação da reportagem da Folha, Bolsonaro disse que a parceria com a iniciativa privada não é uma privatização e que o governo estuda alternativa para uma operação eficiente do sistema.
Ele também afirmou que os estados deveriam ter assumido os custos de funcionamento e da manutenção da transposição, o que, segundo ele, ainda não aconteceu. Membros da equipe econômica defendem que a responsabilidade do empreendimento seja transferida aos estados, inclusive a decisão sobre eventual entrega da operação a empresas privadas.
Para auxiliares de Guedes, a concessão seria mais viável se fosse feita individualmente por cada um dos quatro estados, de forma fatiada. Para o secretário de Recursos Hídricos do Ceará, porém, a ideia não tem cabimento porque o sistema e o fluxo das águas são interligados.