Para ex-tucano e ex-bolsonarista Graziano, presidente cometeu um suicídio político
são paulo Ex-secretário particular de Fernando Henrique Cardoso na Presidência, fundador do PSDB e nome ligado por décadas à social-democracia, Xico Graziano, 67, chocou muitos de seus amigos ao fazer uma opção clara por Jair Bolsonaro na eleição de 2018. E já no primeiro turno.
Ligado ao agronegócio, Graziano deu um novo cavalo de pau no início deste ano quando rompeu com seu neoaliado. Passou a criticar duramente o presidente, mas não voltou ao ninho tucano. Diz estar desiludido com a política.
Essa trajetória é descrita por ele num livro recém-lançado, com o mais do que pessimista título “O Fracasso da Democracia no Brasil” (editora Almedina). Dizer que é um lamento seria pouco: é um verdadeiro desabafo do ex-tucano e ex-bolsonarista.
Logo na orelha do livro, Graziano justifica o voto em Bolsonaro com um argumento frequentemente usado por quem apoiou o capitão: o mais importante era evitar a volta do PT.
“Não estou arrependido de minha decisão [de votar em Bolsonaro em 2018]. Encontro-me, isso sim, profundamente decepcionado. Nada do que eu imaginava, do restabelecimento da moral política, do retorno ao caminho do desenvolvimento, aconteceu”, escreve ele. A democracia brasileira, afirma Graziano, vive “num beco sem saída”.
São vários os motivos de sua decepção, como mostra na publicação, mas dois se sobressaem: a falta de sensibilidade
e competência de Bolsonaro na condução da pandemia e o fato de o presidente se aliar à velha política, resumido na aproximação com o “centrão”.
“Como podemos ter escolhido um presidente da República tão insensível, quase desumano?”, pergunta ele. E logo depois questiona: “Por que Jair Bolsonaro, eleito para exatamente enfrentar essa picaretagem da política nacional, curvou-se ao centrão?”.
Graziano tem uma trajetória comum entre pessoas que foram atraídas pelo discurso de Bolsonaro. A base de apoio ao capitão está cheia de exesquerdistas e ex-centristas que deram ouvidos a sua promessa de restaurar uma certa moralidade perdida nos
anos petistas.
O autor diz que votou no presidente como uma espécie de último recurso contra o desencanto com a política. “Nenhuma grande ilusão me moveu para apoiar Bolsonaro. Ao contrário, foi a desilusão política que me empurrou para sua candidatura.”
Na juventude, auge da ditadura militar, ele flertou com o comunismo, como era comum na época.
“Quase todos nós que lutamos pela redemocratização do país professávamos a fé socialista, mesmo sem saber ao certo o que significava tal sistema, implantado na União Soviética”, conta no livro.
Mais velho, ele aproximouse da ala “ética” do PMDB, representada pelo então governador de São Paulo, Franco Montoro, e pelos senadores FHC e Mario Covas. O trio foi o embrião da criação do PSDB, em 1988. Graziano rapidamente se tornou um “fernandista”, e foi chamado para ser chefe de gabinete de seu mentor na Presidência.
Depois foi para a presidência do Incra, com a tarefa de acelerar o processo de reforma agrária. Ficou pouco tempo, até ser acusado em 1995 de envolvimento no escândalo de grampos do caso Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia.
Desta breve experiência ele conta uma das melhores anedotas do livro, que contribuíram para sua progressiva dedos cepção com a política.
“Teve um dia que, mesmo contrariando a opinião dos articuladores do Palácio, eu demiti o superintendente do Incra em Minas Gerais, ligado ao pessoal do PFL, por suspeita de envolvimento em desvio de dinheiro público. À noite, levei um pito enorme de Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidência: o governo havia sido derrotado em votações importantes do Congresso.”
Foi depois deputado federal por seis anos e secretário de estado em São Paulo em duas oportunidades. Essa vivência lhe dá autoridade para decretar que seu antigo partido se perdeu nos métodos condenáveis da política.
“O PSDB não escapou da desgraça que destruiu a democracia no Brasil. Passados uns anos de euforia e inocência, o partido também começou a chafurdar na corrupção e a praticar o fisiologismo”, diz.
Um dos poucos que ele poupa é justamente FHC, a quem culpa apenas por ter aprovado a reeleição. “Foi seu maior erro”, escreve.
Em 2014, Graziano deu seu último voto de confiança ao antigo partido, ao aceitar participar da coordenação digital da campanha de Aécio Neves à Presidência. Diz que brigou por não querer entrar no jogo sujo capitaneado pela irmã do candidato, Andrea.
“O desespero de Andrea era enorme. Ela queria retrucar os ataques da campanha de Dilma [Rousseff ] com a mesma moeda, ou seja, criando uma rede da maldade, fabricando fakes, disparando bots. Briguei com ela e por tabela com ele [Aécio] por isso. Resultado: perdi a coordenação digital. Entraram com tudo no jogo sujo da internet do mal”, escreve.
Graziano admite que não esperava de Bolsonaro um estilo muito diferente do que ele apresentava antes de virar presidente da República. “Todo mundo conhecia o Bolsonaro, ninguém tem o direito de dizer que não”, afirma.
No entanto ele se revela espantado com a falta de tato político do presidente, que arruma inimigos em todo lugar. Com relação ao agronegócio, suas bravatas contra a China põem em risco um setor que hoje é um dos motores da economia.
Da mesma forma, Graziano considera uma burrice antagonizar o meio ambiente, hoje um tema fundamental na produção agrícola. “Quando Bolsonaro ataca o meio ambiente, ataca o agro moderno”, diz.
Num segundo turno em 2022 que novamente colocasse frente a frente Bolsonaro e um candidato de esquerda, ele diz que nem nulo votaria. Simplesmente pretende não comparecer à urna.
Quem poderia eventualmente fazê-lo se animar com a política novamente é o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, especialmente se fizer uma dobradinha com o apresentador Luciano Huck. “Mas é preciso ver qual vai ser a trajetória deles daqui até a eleição”, ressalva.
Sem muitas esperanças com a política, ele diz que a eleição municipal, com seus altos índices de abstenção e campanha desanimada, prova seu ponto de que a democracia brasileira está irremediavelmente corrompida.
“Quem ganhou a eleição foi o não voto, o que reafirma o fracasso da democracia no Brasil. E ainda dizem que é a festa da democracia… Parem de se enganar.”