Folha de S.Paulo

Paulo Guedes ignora TCU e quer meta fiscal flexível

Órgão alertara ministro da Economia para risco de crime de responsabi­lidade

- Fábio Pupo e Julio Wiziack

O ministro da Economia pretende deixar de enviar ao Congresso meta fixa para o resultado das contas públicas de 2021. O plano é traçado mesmo após o TCU emitir alerta sobre a proposta do governo que torna flexível o resultado a ser perseguido no ano que vem. Conforme mostrou a Folha, o tribunal passou a analisar uma possível condenação por crime de responsabi­lidade.

brasília O ministro Paulo Guedes (Economia) pretende deixar de enviar ao Congresso Nacional uma meta fixa para o resultado das contas públicas de 2021.

O plano é traçado mesmo após o TCU (Tribunal de Contas da União) emitir alerta sobre a proposta criada pelo governo, que torna flexível o resultado a ser perseguido.

O governo propôs no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) enviado aos parlamenta­res que o valor da meta (receitas menos despesas) irá mudar ao longo de 2021 para se adaptar às estimativa­s de receitas e despesas para o ano. Na prática, isso liberaria o governo de perseguir um limite fiscal.

A proposta muda de forma significat­iva a interpreta­ção sobre a legislação orçamentár­ia do país em meio a uma série de incertezas sobre o rumo fiscal do governo a partir do próximo ano.

A justificat­iva é que, na época do envio do PLDO, em abril, a incerteza sobre os rumos da economia com a pandemia era elevada e, por isso, seria difícil prever um resultado fiscal.

Mas, por unanimidad­e, os ministros do TCU aprovaram um acórdão há pouco mais de 20 dias em que emitem um alerta ao governo dizendo que a flexibiliz­ação subverte os objetivos da meta previstos na LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal) e na Constituiç­ão.

Conforme mostrou a Folha, o TCU subiu o tom recentemen­te e passou a analisar uma possível condenação de Guedes por crime de responsabi­lidade.

A decisão pode respingar nas contas do presidente Jair Bolsonaro e são feitas comparaçõe­s até mesmo com o impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Interlocut­ores de Guedes disseram à Folha que ainda não é possível estabelece­r uma meta fixa para 2021 porque a dificuldad­e de prever números fiscais depois da chegada da pandemia ao país permanece.

Para eles, só será possível ter mais clareza sobre os números no próximo ano.

No entanto, a Receita Federal já estimou até mesmo a perda de arrecadaçã­o deste ano por causa dos programas de postergaçã­o de pagamentos de impostos. Ou seja, no TCU, considera-se haver parâmetros para a definição de uma meta de déficit, conforme determina a LRF.

Mesmo assim, a visão é que a incerteza continua. Apesar de sinais de recuperaçã­o na arrecadaçã­o, ainda não se tem total clareza sobre os efeitos do coronavíru­s na economia e as consequênc­ias disso para a receita nos próximos meses.

Por isso, a visão dos interlocut­ores de Guedes é que o resultado primário de 2021 segue indefiníve­l. O teto de gastos não será furado, argumentam, mas também não se pode traçar uma meta a priori. A regra limita o aumento das despesas à inflação do anterior.

É mencionado que definir uma meta fixa em meio a um cenário ainda complexo da economia, com números de arrecadaçã­o ainda incertos, poderia levar o governo a ter de elevar impostos para cumprir o objetivo. Isso seria uma tolice que prejudicar­ia ainda mais a situação de pessoas e empresas, segundo essa avaliação.

Aliados do ministro defendem que não há motivo para condenação, que o TCU está extrapolan­do na cobrança e que a função do órgão não seria exigir a mudança na meta, mas sim de trabalhar como auditor das contas públicas.

Apesar disso, o governo não quer criar um clima de beligerânc­ia com o TCU. O objetivo é conversar com o órgão de controle para reforçar o ponto de vista da equipe econômica e argumentar que os elementos hoje impedem uma meta fixa.

Nos últimos dias, após conversas entre as equipes técnicas de TCU e Ministério da Economia, a interpreta­ção do time de Guedes é que houve um aceno por parte do órgão de controle que a regra flexível seria justificáv­el em 2021 e que o problema seria ela voltar a ser observada em 2022.

Nesse ponto, a equipe econômica conta com a interpreta­ção do texto do acórdão do TCU, que afirma que, “embora a meta de resultado primário apresentad­a possa ser justificad­a pelo caráter excepciona­l das circunstân­cias atuais, sua recorrênci­a não poderá ser tolerada, por afetar o planejamen­to fiscal responsáve­l [...] e a credibilid­ade do governo perante os agentes econômicos”.

O Ministério da Economia entende que não há como responsabi­lizar alguém por uma proposta e que a palavra final é do Congresso.

Conta a favor do governo o fato de o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ter marcado nesta semana a votação do PLDO para o dia 16.

O PLDO estava havia sete meses travado no Congresso em meio à disputa por poder entre parlamenta­res. A não votação em 2020 poderia impedir qualquer execução orçamentár­ia a partir de 1º de janeiro.Po risso, a equipe econômica já esperava que os congressis­tas iriam votara peça neste ano de qualquer forma.

A visão é que, com o PLDO aprovado, não restaria possibilid­ade de condenação por parte do TCU. Isso porque a proposta seria, de qualquer forma, transforma­da em lei.

Nos bastidores, no entanto, assessores dos ministros do TCU consideram que, para o governo não ser enquadrado em cri mede responsabi­lidade, o Congresso teria d em od ifi caraLRF, que exige, todo ano, definição de uma meta de resultado primário.

Nas últimas semanas, a equipe econômica expressou publicamen­te que iria discutir uma possível mudança na proposta. Porém, dava sinais de resistênci­a eque preferia deixara decisão para o Congresso.

“Aposição atua lé que temos uma redução do nível de incerteza, o que permite analisar com mais precisão [os números do ano que vem]. Nos colocamos à disposição do Congresso para discutir as cláusulas do PLDO”, disse recentemen­te o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, expressou visão semelhante. No entanto, em sua avaliação, uma mudança no texto enviado ao Congresso teria suas desvantage­ns. “Projetar uma arrecadaçã­o para 2021 é muito mais preciso hoje do que antes, mas ainda assim existe incerteza. Vale um debate no Congresso, para analisar esses prós e contras”, disse Funchal em entrevista recente. no, mais especifica­mente entre Guedes e Marinho.

A AGU solicitou ao TCU que houvesse um regime de transição para regras de empenho —quando o governo se compromete agasta rum recurso— e execução de despesas existentes no Orçamento de 2020.

O pedido ocorreu porque Guedes emitiu comunicado, a partir do julgamento do TCU sobre as contas de 2019 deBol sonar o,comve dação a ou sode dotação orçamentár­ia de um ano no cumpriment­o de obrigações em anos posteriore­s.

A AGU solicitou ao TCU que houvesse um regime de transição para regras de empenho —quando o governos e compromete agasta rum recurso— e execução de despesas existentes no Orçamento de 2020.

No documento enviado ao tribunal, a AG U citou exemplos de“c ons equênciasp­r áticas” do comunicado editado por Guedes. Um casoéo do Ministério do Desenvolvi­mento Regional, comandado por Marinho.

A pasta passou ater créditos suplementa­res que somam R$ 3,9 bilhões. E um “problema sério para resolver”, afirmou a AGU.

“Em razão do volume de recursos, seria praticamen­te inviável deter capacidade operaciona­l de empenhar, liquidar e pagar o valor recebido amenos de dois meses para o fim do exercício”, disse.

Na prática, isso significar­ia a inviabilid­ade dos restos apagar, que são práticas corriqueir­as na execução orçamentár­ia do governo. Despesas empenhadas em um ano ficam para anos seguintes e são pagas na forma de restos apagar.

Dantas entendeu quebas ta cumpri ralei vigente, que permite o uso do instrument­o. Por isso, ele não viu razão para uma transição e permitiu o empenho para parcelas a serem executadas até 31 de dezembro de 2021, desde que inscrita sem restos apagar e dentro do teto de gastos.

Os ministros acompanhar­am o voto do relator, em uma rápida votação em plenário.

Reservadam­ente, integrante­s do TCU conversara­m entre eles sobre a estratégia de Guedes. Segundo essas conversas, o ministro da Economia quis usar o tribunal, ao dar uma interpreta­ção equivocada a um parecer sobre as contas do presidente, para fustigar o rival no governo.

A saída encontrada no voto de Dantas foi fazer um ajuste em recomendaç­ões emitidas ao governo a partir do julgamento das contas do primeiro ano de mandato de Bolsonaro. Nesses ajustes, ficou definida a possibilid­ade de uso dos restos apagarem 2021, dentro do teto.

Se um contrato, convênio ou acordo não for executado até 31 de dezembro de 2021, os restos apagar devem ser cancelados. O gasto só poderá ser feitos e voltara ser previsto na peça orçamentár­ia para o ano seguinte.

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Marcos Corrêa - 22.nov.20/Divulgação Presidênci­a O ministro Paulo Guedes, que propusera meta adaptável às estimativa­s de receita e despesa

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