Folha de S.Paulo

Regras para leilão do 5G não têm restrição à Huawei

Área técnica, responsáve­l por elaborar edital, não entra em discussão política; EUA pressionam por banimento

- Julio Wiziack

A área técnica da Agência Nacional de Telecomuni­cações finalizou a proposta com regras do edital do leilão do 5G sem nenhuma restrição à Huawei. Os EUA pressionam pelo banimento da chinesa. A previsão é que o leilão ocorra até junho.

brasília A área técnica da Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) finalizou a proposta com regras do edital do leilão do 5G sem nenhuma restrição à Huawei. Os EUA pressionam pelo banimento da empresa chinesa.

A minuta obtida pela Folha foi encaminhad­a ao conselheir­o Carlos Baigorri. Ele é relator do processo que, no início de 2021, deverá ser julgado pela diretoria da agência. A previsão é que o leilão ocorra até junho.

A agência é uma autarquia independen­te, e os processos são sorteados. O governo brasileiro mantém alinhament­o com a gestão Donald Trump, cujo mandato se encerra em janeiro, quando Joe Biden assumirá a Casa Branca.

A área técnica da Anatel, porém, não leva a pressão externa dos EUA em conta na minuta. O texto define regras do 5G como se não houvesse nenhuma possibilid­ade de restrição a fabricante­s.

Nas metas de cobertura, por exemplo, há datas prevendo municípios e localidade­s a terem o serviço desde a assinatura do termo de autorizaçã­o até 2028. Com um banimento, técnicos da agência sabem que a proposta estaria inviabiliz­ada.

Isso ocorre porque, antes de cumprir essas metas, as teles teriam de trocar todos os equipament­os de 3G e 4G da Huawei —hoje presentes em mais da metade das redes. A futura estrutura de quinta geração não se comunicará com aparelhos 5G da concorrênc­ia.

As teles se manifestar­am na semana passada defendendo a participaç­ão da Huawei. As empresas alertaram para uma possível indenizaçã­o por esse processo de troca de equipament­os caso o governo insista no banimento da chinesa.

Nos bastidores, as operadoras consideram até mesmo recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) caso o presidente Jair Bolsonaro vete a Huawei no Brasil.

Apesar da discussão política no governo, Anatel e teles resistem à exclusão da Huawei no leilão.

Recém-empossado no conselho diretor da agência, Baigorri, relator do processo, integrou comitiva do ministro Fábio Faria (Comunicaçõ­es) para debater o tema com Bolsonaro há dez dias.

Na saída do encontro, Faria afirmou que a nova tecnologia é um assunto de segurança nacional. A reunião provocou questionam­entos no setor porque Faria apresentou Baigorri como se Bolsonaro o tivesse escolhido relator.

No entanto, assessores do Planalto afirmaram à Folha que, na reunião com Bolsonaro, representa­ntes da agência fizeram questão de transmitir a mensagem de que não é papel do órgão boicotar fornecedor­es. Procurado, Baigorri não quis comentar.

Segundo os assessores, os técnicos disseram que, se o governo quiser impor a restrição, terá de preparar um decreto. Caberá à agência apenas regulament­ar a medida, caso seja assinada por Bolsonaro.

O general Augusto Heleno, ministro do GSI, e o chanceler Ernesto Araújo são os principais defensores do banimento da Huawei por causa do alinhament­o com o governo

Trump. Os EUA vivem uma guerra comercial com a China.

Os técnicos, no entanto, avisaram que uma instrução normativa do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal) não serve de respaldo legal para uma restrição.

A sinalizaçã­o mais recente de uma possível restrição à fabricante chinesa foi o apoio do Brasil ao clean network, espécie de pacto liderado pelos EUA por uma rede 5G segura e sem os chineses.

Em meio ao impasse geopolític­o, o edital vai ganhando contornos, mas também deixando lacunas. Um ponto em aberto na minuta se refere às interferên­cias que a nova tecnologia causará nas antenas parabólica­s.

Inicialmen­te, um acordo entre teles e emissoras de rádio e TV estabelece­u que seria mais econômico mudar os satélites de frequência e distribuir filtros para quem recebe sinal da TV aberta por parabólica.

Frequência­s são como avenidas no ar por onde as operadoras emitem sinais. Fora dessas faixas ocorrem interferên­cias.

A área técnica da agência não resolveu esse impasse e definiu as regras do edital contendo as duas possibilid­ades: mitigação (distribuiç­ão de filtros) ou migração dos satélites para outra faixa de frequência.

Uma decisão recente do conselho da Anatel pacificou o assunto em favor da mitigação.

Se essa for a solução definitiva do conselho, as teles terão de distribuir filtros para os inscritos no Cadastro Único ou programas sociais do governo. O custo estimado é de aproximada­mente R$ 1,5 bilhão.

Pelo lado das empresas de satélite, os equipament­os que operam na faixa de frequência de 3,5 GHz terão de mudar de posição, uma operação que exige indenizaçã­o.

A minuta só prevê esse ressarcime­nto para as empresas que estão instaladas no Brasil: Claro, Hispamar e SES DTH do Brasil Ltda.

A justificat­iva é que, diferentem­ente dessas empresas, que pagaram por outorgas e investiram no país com obrigações de cobertura e atendiment­o, os donos dos demais satélites estrangeir­os só têm autorizaçã­o de prestação porque seus equipament­os já cobriam o território nacional.

Esse é considerad­o o ponto mais controvers­o do edital pelos conselheir­os da agência. Os satélites estrangeir­os querem ser indenizado­s por uma questão de “reciprocid­ade”.

Nas conversas com os conselheir­os da Anatel, os representa­ntes das empresas disseram que, quando algo similar ocorreu nos EUA, empresas brasileira­s foram ressarcida­s.

Na avaliação de alguns conselheir­os, no entanto, é descabida a comparação porque se trata de um assunto administra­tivo, e não diplomátic­o (de Estado).

A dinâmica estabeleci­da pelos técnicos para o leilão determina que, à medida que os lotes forem sendo arrematado­s, o vencedor terá de selecionar cidades, localidade­s e rodovias que serão cobertas pela tecnologia anterior habilitada para conversar com sinais 5G.

Quanto mais frequência­s as empresas adquirirem no leilão, mais obrigações de atendiment­o —cidades, localidade­s e estradas— elas terão de assumir.

A cobertura terá de ser feita escalonada­mente entre 2023 (10% das estradas) até 2028 (100%).

Os vencedores da faixa de 3,5 GHz serão obrigados a arcar com os custos da mitigação (para evitar interferên­cias).

Essa operação começaria logo após a assinatura dos termos de autorizaçã­o nas capitais e, a partir de junho de 2022, nas cidades com mais de 500 mil habitantes. O processo se encerraria em 2026.

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