Folha de S.Paulo

Procurador pede quebra de sigilo bancário de Hang

Parecer defende juízo único para as ações que pedem cassação de presidente e vice

- Patricia Campos Mello

O vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, emitiu parecer defendendo o julgamento conjunto das quatro ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Pediu ainda coleta de provas contra, entre outros, Luciano Hang.

são paulo O vice-procurador­geral eleitoral, Renato Brill de Góes, emitiu parecer nesta terça-feira (1) defendendo o julgamento conjunto das quatro ações que pedem a cassação da chapa de Jair Bolsonaro (ex-PSL, hoje sem partido) e de seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), nas eleições de 2018.

Ele também pediu a reabertura do processo de coleta de provas e a quebra de sigilo bancário e fiscal de investigad­os, entre eles, o empresário Luciano Hang, que nega as acusações.

As Aijes (Ações de Investigaç­ão Judicial Eleitoral) foram ajuizadas pelas coligações Brasil Soberano (PDT/ Avante) e O Povo Feliz de Novo (PT, PC do B e PROS) a partir de reportagen­s publicadas pela Folha.

As reportagen­s indicavam que empresário­s teriam comprado pacotes de disparos de mensagens de WhatsApp em massa contra o então candidato do PT à Presidênci­a, Fernando Haddad, e detalham o submundo do envio de mensagens em massa no WhatsApp.

Uma rede de empresas recorreu ao uso fraudulent­o de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir envios massificad­os. Caso comprovado­s, os atos poderiam configurar abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicaçã­o social.

No dia 4 de novembro, o relator das ações no TSE, Luís Felipe Salomão, havia indeferido o pedido de complement­ação de informaçõe­s pelo WhatsApp e encerrado a instrução processual de uma das ações. Outra ação havia tido essa etapa de coleta de provas encerrada em setembro de 2019.

As duas restantes aguardam informaçõe­s e documentaç­ão do STF (Supremo Tribunal Federal), referentes ao inquérito das fake news —ainda existem diferentes pedidos de produção de provas autorizado­s.

Brill de Góes afirma que o encerramen­to da instrução, fase para levantar provas, de duas das ações foi, de certo modo, “prematuro”, e pede a reabertura. O vice-PGE questiona decisões de Salomão e do antigo relator das ações, Jorge Mussi, de não permitir produção de provas, de não autorizar oitiva de testemunha­s, de indeferir pedido de quebra de sigilo de investigad­os e de encerrar fase de instrução.

“Sem essas providênci­as, registre-se, haverá uma limitação de conteúdo probatório com enorme prejuízo ao real esclarecim­ento dos fatos, com potencial prejuízo da própria prestação jurisdicio­nal a ser realizada”, afirma.

Segundo Brill de Góes, “os vetores da segurança jurídica e coerência da função jurisdicio­nal são igualmente colocados em potencial risco quando é cerceada a possibilid­ade de instrução e julgamento simultâneo de ações com identidade de fática e pluralidad­e de partes.”

O parecer será examinado pelo atual corregedor-geral eleitoral, Luis Felipe Salomão, que já havia se manifestad­o pelo encerramen­to do período de instrução e é relator das quatro ações no TSE. O ministro pode decidir monocratic­amente ou levar o parecer ao plenário do tribunal.

O vice-PGE se manifestou a favor da quebra de sigilos bancário e fiscal, no período de 1º de julho a 30 de novembro de 2018, do empresário Luciano Hang e das empresas Quick Mobile Desenvolvi­mento e Serviços, Yacows Desenvolvi­mento de Software, Croc Services Soluções de Informátic­a e SMSMarket Soluções Inteligent­es.

Ele também defendeu a requisição de documentaç­ão e oitiva de testemunha­s. No entanto, o vice-PGE pediu indeferime­nto do pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário da AM4 Brasil Inteligênc­ia Digital, agência que prestou serviços à campanha de Bolsonaro.

Segundo ele, o nome dessa empresa não consta do pedido na representa­ção inicial e, sendo assim, se trataria de inovação indevida.

No documento enviado ao TSE, Brill de Góes afirma ser “irrecusáve­l a tarefa de controle da integridad­e da competição eleitoral a ser realizada pela Justiça Eleitoral, motivo pelo qual a instrução dos fatos narrados nas aludidas ações deve ser a mais ampla possível, possibilit­ando, enfim, que a resposta jurisdicio­nal seja compatível com a missão histórica que é reservada a essa Justiça especializ­ada”.

Em setembro de 2019, Mussi havia indeferido todos os sete pedidos de oitivas feitos pela coligação Brasil Soberano, afirmando que os testemunho­s “nada acrescenta­riam de útil e necessário ao esclarecim­ento dos fatos relatados na petição inicial”.

Em contrapart­ida, Mussi aceitou o pedido da defesa de Bolsonaro de ouvir como testemunha Rebeca Félix da Silva Ribeiro Alves, que trabalhou durante a campanha na agência AM4 e que era, na época, assessora de imprensa da Secretaria-Geral da Presidênci­a.

O relator também havia negado o pedido de quebra de sigilo bancário e telefônico dos donos das agências de marketing citadas na reportagem.

Segundo o vice-PGE, as informaçõe­s prestadas pelo WhatsApp, em 20 de novembro de 2019, apontando “comportame­nto anormal, indicativo do envio automatiza­do de mensagens em massa”, em relação as empresas citadas nas ações, constitui fato novo suficiente para amparar a quebra de sigilo dos requeridos.

O vice-PGE acrescenta que o modus operandi narrado nas peças das representa­ções “guarda notória semelhança com o adotado pelo representa­do Luciano Hang em relação ao Facebook para impulsiona­mento de conteúdo, como ficou bem demonstrad­o em julgamento realizado por esse Tribunal Superior”.

O vice-PGE defende a tramitação conjunta das quatro ações, que, pela “evidente identidade de fatos”, merecem “uma análise contextual­izada, uniforme e convergent­e em relação à matéria de fundo”.

Duas das ações atualmente aguardam a conclusão de perícias e informaçõe­s do Supremo Tribunal Federal e decisão sobre o pedido de compartilh­amento de todo o conteúdo do inquérito das fake news, que investiga ameaças contra o STF e seus membros.

Em nota, a assessoria de Luciano Hang afirma que o empresário “lamenta a confusão e imprecisão da Procurador­iaGeral Eleitoral ao comparar o impulsiona­mento realizado na página pessoal e particular no Facebook do empresário com as condutas que lhe são falsamente atribuídas de divulgação de compras de pacotes de disparos em massa de mensagens no WhatsApp.”

A nota chama as reportagen­s de “boato criado pela Folha”. Em relação à quebra de sigilos, Hang afirma que “nada tem a esconder”.

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Evaristo Sá - 9.nov.2020/AFP O presidente Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, em evento no Palácio do Planalto

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