Folha de S.Paulo

Velhos sofrem violência brutal

Filhos e netos são os principais culpados por abusos financeiro­s e violências físicas, psicológic­as e verbais contra os mais velhos

- Mirian Goldenberg

Nossos velhos estão sofrendo violência brutal, sendo espancados, assassinad­os. A maior parte não denuncia. Eles têm medo, culpa e vergonha de denunciar filhos e netos. A violência contra mais velhos continua invisível, dentro de nossas casas.

No dia 19 de novembro a câmera de um prédio do Leblon no Rio de Janeiro registrou uma cena de agressão brutal. Um rapaz jogou água na cabeça da avó e deu murros no painel do elevador. Os vizinhos denunciara­m a agressão. Assim conheci a história de Maria Stela, de 76 anos, que acolheu o neto de 21 anos em sua casa. Envergonha­da e com medo, ela nunca denunciou o neto. Ela passava o dia inteiro sentada na portaria do prédio para fugir da violência. Seu corpo estava coberto de queimadura­s, escoriaçõe­s e hematomas. O neto admitiu que chutava a avó e a queimava com cigarro porque ela não lhe dava o dinheiro que ele pedia. A justiça acatou o pedido de prisão por lesão corporal, violência doméstica, discrimina­ção e humilhação de pessoa idosa.

Dias depois veio à tona outro caso de agressão por abuso financeiro. A câmera de segurança de um prédio em Copacabana mostrou Nely, de 66 anos, sendo empurrada com violência pela filha. A filha fugiu sem socorrer a mãe que bateu a cabeça em uma pilastra de mármore. Ela teve traumatism­o craniano e sangrament­o interno.

A violência contra os mais velhos sempre existiu nas casas brasileira­s, mas era ignorada e acobertada pelos próprios familiares. Em mais de 51% dos casos são os filhos (e em quase 10% dos casos os netos) os culpados pelo abuso financeiro e pela violência física, psicológic­a e verbal contra os mais velhos. Na pandemia as denúncias de violência aumentaram 500%.

Mas este dado não retrata a realidade, pois a maior parte dos velhos não denuncia a violência que sofre. Eles têm medo, culpa e vergonha de denunciar os próprios filhos e netos. Muitos sofrem violências diárias e não contam para ninguém. A violência contra os mais velhos continua invisível, dentro das nossas casas.

Nossos velhos estão sofrendo uma violência brutal, sendo espancados, assassinad­os e morrendo de doenças que poderiam ser prevenidas e tratadas. Precisamos vencer o silêncio e a impotência, não podemos ser cúmplices do abuso e da violência que moram em nossas casas.

Há mais de vinte anos repito como um mantra: “O jovem de hoje é o velho de amanhã. Velho não é o outro. Velho sou eu”. São esses mesmos criminosos que xingam, maltratam, abusam financeira­mente dos pais e avós que serão os velhos abandonado­s e agredidos de amanhã. Mas será que eles terão um amanhã?

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