Folha de S.Paulo

Morre aos 94 expresiden­te francês Giscard d’Estaing

Considerad­o arquiteto da integração europeia, teve governo marcado pela modernizaç­ão da sociedade francesa

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paris | reuters O ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing, um dos arquitetos da integração europeia no início dos anos 1970, morreu aos 94 anos nesta quarta-feira (2) em sua casa de campo em Loir-et-Cher. Segundo a fundação que leva seu nome, ele sofreu complicaçõ­es da Covid-19, após ter sido hospitaliz­ado em setembro com problemas respiratór­ios e novamente no meio de novembro. O funeral será realizado “na mais estrita intimidade familiar”, segundo publicação da entidade no Twitter.

Eleito presidente aos 48 anos para suceder George Pompidou (de quem foi ministro das Finanças), Giscard governou a França entre 1974 e 1981 e era considerad­o seguidor do general Charles de Gaulle, que liderou a resistênci­a francesa ao nazismo e defendia o conservado­rismo de costumes e a forte presença estatal na economia.

Durante a campanha, em que derrotou o socialista François Mitterrand, candidato da coalizão de esquerda, Giscard adotou comunicaçã­o moderna que o apresentav­a como um político jovem e dinâmico que representa­va a renovação diante de seus adversário­s.

Em um debate com Mitterrand na televisão, ele disse uma frase que ficou famosa: “O senhor não tem o monopólio do coração”. Venceu com 50,81% dos votos.

Quando tomou posse, em 27 de maio de 1974, declarou sem modéstia diante do Palácio do Eliseu: “A partir deste dia, data uma nova era da política francesa”. Sua gestão ficou conhecida por medidas de liberaliza­ção da economia e modernizaç­ão da sociedade, incluindo a permissão do divórcio por mútuo consentime­nto e a legalizaçã­o do aborto.

Também deixou marcas no plano institucio­nal —foi em seu governo que Paris teve seu primeiro prefeito eleito, e não designado pelo Estado.

Na Europa, construiu uma relação próxima com o então chanceler alemão Helmut Schmidt, e juntos eles estabelece­ram as bases de uma moeda única —que daria lugar ao euro. Ele trabalhou pela reconcilia­ção entre a França e a Alemanha e chegou a propor acabar com o feriado de 8 de maio, que comemora a rendição alemã na Segunda Guerra, iniciativa que não foi adiante.

Favorável à pena de morte, Giscard teve sua história marcada também pela recusa em perdoar Christian Ranucci, morto na guilhotina em 1976, apesar das suspeitas de falha na Justiça. Quando disputou a reeleição, após sete anos de mandato, Giscard perdeu para Mitterrand, mas sua presença marcou quase 50 anos da história política do século 20.

Nascido em Coblence, na atual Alemanha, Valéry René Marie Georges Giscard d’Estaing foi criado em uma família tradiciona­l e católica. Filho de um funcionári­o público e neto de um deputado, o ex-presidente estudou filosofia e matemática e lutou na França e na Alemanha, o que lhe rendeu uma medalha de guerra.

Segundo o jornal francês Libération, ele descreveu sua juventude como “feliz”. “Tive muita sorte. Tive uma juventude feliz. Mas depois percebi que havia áreas no mundo que eu não tinha penetrado intelectua­lmente ou afetivamen­te.” Formou-se em administra­ção e, em dezembro de 1952, casou-se com AnneAymone Sauvage de Brantes, com quem teve quatro filhos.

Giscard foi ministro da Economia e das Finanças nos anos do pós-guerra, mas era chefe de Estado quando o país sofreu com a primeira crise do petróleo, o início do desemprego em massa e o estabeleci­mento da inflação de dois dígitos. Até a eleição de Emmanuel Macron, em 2017 aos 39 anos, Giscard continuava sendo o mais jovem presidente francês desde 1848.

Em suas memórias, lançadas em dois volumes com o título “Le Pouvoir et la Vie” (o poder e a vida), o ex-presidente se definiu como um “animal de competição” e, durante toda a vida, não disfarçava que se considerav­a o melhor e mais inteligent­e.

Giscard dizia ser um amante da literatura e foi eleito membro da Academia Francesa, em 2003, para ocupar a cadeira deixada vaga pelo ex-presidente de Senegal Léopold Sédar Senghor, morto em 2001. Foi autor de um romance de grande sucesso, “Le Passage” (a passagem, de 1994), e de vários ensaios políticos.

Sua última aparição pública foi em 2019 no enterro do ex-presidente Jacques Chirac (1932-2019), que foi o premiê do seu governo de 1974 a 1976.

Depois do anúncio da morte, o ex-presidente Nicolas Sarkozy disse que Giscard “trabalhou a vida toda para fortalecer as relações entre as nações europeias”. O também ex-presidente François Hollande fez homenagem no Twitter. “Valéry Giscard d’Estaing permanecer­á como o presidente que modernizou a França.”

Michel Barnier, negociador da União Europeia para o brexit, disse que, para Giscard, “a Europa precisava ser uma ambição francesa e a França, uma nação moderna”.

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Morris Mac Matzen - 20.fev.2008/Reuters Valéry Giscard d’Estaing durante evento em Hamburgo, em 2008

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