No Havaí, mulheres dão a largada em temporada histórica para o surfe
Modalidade estará na Olimpíada pela 1ª vez, e brasileiras sonham com medalha no Japão
são paulo Ao fim de um 2020 de frustrações, com o circuito mundial cancelado pela pandemia do novo coronavírus, o surfe começa sua temporada 2021 em tom de otimismo. A Covid-19 ainda é uma realidade e oferece desafios, porém tem início nesta semana o que promete ser um período histórico para a modalidade.
Ajustado em uma situação atípica, o calendário de 2021 será inaugurado oficialmente com a primeira etapa feminina da Liga Mundial, em Maui, no Havaí, nesta sexta (4). O ponto alto serão os Jogos de Tóquio, entre julho e agosto, os primeiros a incluírem o esporte no programa olímpico.
A presença no evento é motivo de festa para os surfistas, que vislumbram uma exposição inédita e a inédita luta por medalhas. Entre os homens, os representantes do Brasil no Japão serão Italo Ferreira e Gabriel Medina; as mulheres serão Silvana Lima e Tatiana Weston-Webb.
As duas veem a Olimpíada como uma chance para o surfe crescer e uma grande oportunidade na carreira. Os vencedores em Chiba, a cerca de 60 km de Tóquio, na praia de Tsurigasaki, terão seus nomes lembrados como os primeiros campeões olímpicos.
No caso de Silvana, o trabalho é voltado para os Jogos. A experiente cearense de 36 anos, vice mundial em 2008 e em 2009, viveu um 2019 difícil, em recuperação de cirurgias nos joelhos, e acabou rebaixada da elite —embora tenha conseguido resultados suficientes para ir ao Japão.
Ela não está, portanto, no Havaí, para o início do circuito de 2021. Sua ideia é se dedicar ao WQS, a segunda divisão mundial, e planejar a temporada para chegar à Olimpíada na melhor forma possível.
“Vai ser o maior evento de todos os tempos para mim. Por causa da pandemia, tive um ano para treinar, tempo para me recuperar. Estou sem dores no joelho e trabalhando para estar mais do que 100% nos Jogos”, afirmou à Folha.
A recuperação física não é seu único trunfo na tentativa de voltar a apresentar o desempenho que a colocou entre as melhores do planeta. Também alimenta sua confiança o tipo visto em Chiba, familiar aos brasileiros.
“A onda é bem parecida com as do Nordeste e também com algumas do Sul. É uma onda pequena, ‘beach break’, e a gente está acostumado no Brasil a surfar assim. Só quando estiver lá, com a cabeça boa e a prancha mágica, a gente vai saber quem vai merecer. Mas, com certeza, o Brasil tem grande chance”, diz a cearense de Paracuru.
Já Tatiana Weston-Webb não tem tanta experiência nessas ondas. A gaúcha de Porto Alegre deixou o país ainda bebê e cresceu no Havaí, habituada a um mar diferente. Mas também alimenta a esperança de uma temporada vitoriosa, tanto nos Jogos quanto na própria Liga Mundial.
Sexta no ranking em 2019, a brasileira de 24 anos aproveitou a paralisação das competições para remodelar seu surfe, treinada pelo havaiano Ross Williams. Ela teve tempo para se recuperar de velhos problemas físicos e testar equipamentos diferentes.
“Estou morrendo de saudade de competir! Trabalhei muito fortemente em algumas coisas que nunca tive oportunidade de mudar na carreira. Mudei minhas pranchas e o tipo de treino. Estou ‘amarradão’ para ver”, diz, em um simpático esforço para falar português da melhor maneira.
Tatiana é filha da bodyboarder brasileira Tanira Guimarães e sempre manteve laços com o Brasil, mas cresceu no Havaí e tem uma natural dificuldade com o idioma. Ela competia sob a bandeira do
Havaí até 2018, quando decidiu surfar como brasileira e conquistou a vaga em Tóquio.
“É uma honra representar a bandeira brasileira. Espero conquistar um ouro pela nação do Brasil. O Brasil está no fundo do meu coração, sempre foi assim. Sempre fez parte da minha vida e agora é parte da minha profissão”, afirma.
Noiva do surfista brasileiro Jessé Mendes, a gaúcha tem planos de morar com ele no Brasil durante metade do ano, ficando a outra metade no Havaí. Ela vem recebendo apoio logístico do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e espera retribuir na temporada.
“Tenho dois grandes objetivos: o título mundial e o ouro na Olimpíada. A pressão está em alto nível, mas estou me sentindo muito bem. Então, bora lá! Acho que vai ser uma boa ‘challenge’”, sorri, misturando idiomas.
O desafio começa em um local que ela conhece bem, Maui, em uma etapa cuja mera realização já é comemorada pela WSL (Liga Mundial de Surfe). Com atletas de várias partes do mundo, a organização teve um trabalho inédito de negociação com os governos dos países que receberão as pernas da disputa, acertando protocolos de fronteira e de testagem de Covid-19.
Como ocorre desde 2019, o valor da premiação das etapas da primeira divisão é igualitário para homens e mulheres. Essa passou a ser uma bandeira carregada pela liga, o que, para ela, amplia o senso de justiça e o retorno com patrocinadores dispostos a se atrelar à causa.
“É uma decisão que veio para ficar, não é algo que passou. Ao contrário, é algo em que a gente acredita, algo inclusive que nos ajuda a nos conectar com marcas que compartilham desses valores conosco”, afirma à Folha o executivo da WSL para a América Latina, Ivan Martinho.
De acordo com ele, isso representa apenas o primeiro passo. As etapas da segunda divisão —a maioria das quais é licenciada, mas não organizada pela WSL— ainda têm premiações distintas. E existe uma grande diferença entre o número de homens e o de mulheres no circuito.
Há ainda quem critique a organização por não incluir a etapa de Pipeline, onda do Havaí tida como a mais desafiadora do mundo, na disputa feminina. Porém as mulheres estão surfando em locais antes restritos aos homens, como a também desafiadora onda do Taiti, agora parte dos dois campeonatos.
Elas começarão a mostrar sua habilidade nesta semana. Os homens darão início a seu circuito na próxima, com Italo Ferreira defendendo seu título —e de olho, como boa parte do mundo do surfe, na aguardada oportunidade de fazer parte dos Jogos Olímpicos.