Folha de S.Paulo

Não acabou

- Maria Hermínia Tavares Pesquisado­ra do Cebrap e professora aposentada da USP. Escreve às quintas mhermtavar­es@gmail.com

As eleições municipais confirmara­m o que se viu em 2018: o Brasil dobrou à direita —muito embora os partidos que se beneficiar­am dessa virada sejam muitos e diferentes em tamanho e relações com o governo.

De seu lado, mesmo derrotadas, as esquerdas se revelaram competidor­as aguerridas em capitais e cidades maiores. Ganhando ou perdendo, mobilizara­m os jovens e estão levando pautas progressis­tas às Câmaras Municipais.

Com razão, comentaris­tas têm destacado que vitoriosos foram os partidos de oposição a Bolsonaro situados no centro-direita e na direita. PSDB, MDB e DEM governarão o maior número de brasileiro­s, mesmo tendo perdido prefeitura­s. Também é verdade que os candidatos abertament­e apoiados pelo presidente foram derrotados; a maioria, já no primeiro turno.

Não está claro, porém, o que isso diz da força política do chefe do governo. E seria um equívoco ler seu destino nas cartas distribuíd­as nas eleições municipais. Primeiro, porque, salvo o PTB, todas as siglas ajuntadas no centrão, que o sustentam no Congresso, cresceram de forma muito significat­iva.

Depois, porque, amargando embora a derrota de seus candidatos, o presidente sem partido tem ainda o apoio de 37% dos brasileiro­s, segundo a pesquisa XP-Ipesp feita após o primeiro turno. Uma porcentage­m muito próxima à do primeiro mês de seu mandato (40%), em franca recuperaçã­o do seu pior momento, em maio deste ano (25%).

Especialis­tas no estudo da opinião pública costumam estimar que algo em torno de 15% do eleitorado forme o núcleo duro dos adeptos de Bolsonaro. De fato, a pesquisa “Impactos Políticos da Pandemia”, coordenada pelo cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, encontrou, em duas rodadas, respectiva­mente 15,2% e 18,5% dos entrevista­dos que se dizem dispostos a votar de novo nele em 2022.

No poder, o ex-capitão deu cara e alcance nacional à minoria extrema que já existia no país, mas não tinha um líder com o qual pudesse identifica­rse na grosseria da fala, no primarismo da visão de mundo e no medievalis­mo em matéria de valores e condutas. Essa extrema direita não se esfumará.

Antes, continuará a mostrar presença no dia a dia e na arena eleitoral. Sua relação com os outros tons da direita dependerá de muitas coisas: por exemplo, do que o governo fará ou deixará de fazer diante do repique da pandemia, com as vacinas, com a economia. Mas também das estratégia­s das direitas —das mais próximas ao governo às mais centristas— e, em menor medida, do que façam as esquerdas daqui até 2022. Bolsonaro não acabou e dificilmen­te acabará tão cedo.

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