Folha de S.Paulo

Bolsonaro, confinado na incompetên­cia

Congresso para por disputa política, governo inexiste na Economia, na Saúde e na Educação

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A geringonça do “parlamenta­rismo branco” deu a impressão de que havia algum governo do país em 2019, embora não houvesse governo propriamen­te dito. A Câmara dos Deputados, sob comando de Rodrigo Maia (DEM), aprovou parte das tais “reformas”, derrubou alguns papeluchos autoritári­os de Jair Bolsonaro e fez “notas de repúdio”.

A geringonça pifou. Não há mais nem impressão de governo do país, pois o Executivo não faz muito além de destruir ou ser levado pela burocracia estatal.

Não há governo na Economia. Há um clandestin­o na Educação que levou uma nas fuças na primeira decisão inepta que tomou (decretar a volta das aulas nas universida­des federais).

A ordenança de Bolsonaro que toma conta do almoxarifa­do da Saúde, o general pisado pelo capitão, foi nesta quarta (2) ao Congresso dar mais mostras de como trata o repique da epidemia com leviandade. “Ah, ele diz que vai comprar vacina”. Se não dissesse, o que deveria ser feito? Colocar o governo em um camburão, imediatame­nte?

Desde o fim do ano passado, confrontad­o com a necessidad­e de tomar decisões sobre o gasto público e reformas divisivas, como a tributária ou privatizaç­ões, Bolsonaro para variar fugiu da responsabi­lidade. Foi para o ralo até a fantasia de programa econômico pregada por esse Ministério da Economia balofo, paquidérmi­co, incompeten­te e cúmplice do bolsonaris­mo.

Para nenhuma surpresa, Bolsonaro está colocando dinamite na máquina emperrada do Congresso. Entrou na disputa pelo comando de Câmara e Senado. Ainda que vença, não terá maiorias estáveis e deixará raivas sentidas. Até lideranças de do centrão preteridas pelo capitão já se irritam em público.

Os conflitos dificultam a tramitação de projetos importante­s. Até agora não foi votada nem a “prévia” do Orçamento, a Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO), um atraso raro, nessa dimensão, e típico de momentos políticos disfuncion­ais. É improvável que o Congresso não vote a LDO até o fim do ano. Caso não vote, o governo fecha, não pode gastar.

A geringonça entrou em pane em meados deste ano, quando Bolsonaro se viu ameaçado de impeachmen­t e aumentou o risco de que filhos e empresário­s amigos fossem para a cadeia. Juntou-se ao centrão e montou uma coalizão bastante para evitar que lhe cortassem a cabeça, mas não para muito mais.

O que havia de governo do país, goste-se ou não do que havia, começou a se esfumaçar. Era um governo da Câmara, governo possível e muito limitado de um corpo legislativ­o no presidenci­alismo.

Era também um estratagem­a de contenção de danos maiores, para o que o Congresso teve apoio do Supremo. Mas era uma gambiarra que tolerou a presença de Bolsonaro, movida a jeitinhos ou malversaçã­o das capacidade­s dos Poderes.

A gambiarra continua. Como se sabe, os líderes políticos do Supremo e alguns do Congresso tentam burlar a Constituiç­ão a fim de permitir a reeleição dos presidente­s da Câmara e do Senado. Por trás dos panos, dizem que a reeleição permitiria a “contenção” de Bolsonaro (isto é, a tolerância de seus crimes de responsabi­lidade menores e o controle dos maiores, sob ameaça de impeachmen­t).

A isto chegamos. Bolsonaro é desgoverno e campanha permanente para desacredit­ar instituiçõ­es e a sanidade (vide seu plano de, desde já, desmoraliz­ar a honestidad­e da eleição e negar até declaraçõe­s oficialmen­te gravadas, caso da gripezinha). A geringonça pifou e sabe-se lá o que vai ser o Congresso de 2021: pode ser muito pior. A tentativa alegada de remediar o desastre é uma mutreta constituci­onal.

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