Folha de S.Paulo

Riscos à recuperaçã­o

Ventos externos favoráveis não substituem a necessidad­e de reforçarmo­s os fundamento­s

- Solange Srour Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio | sex. Nelson Barbosa | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen, Ronaldo Lemos | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento,

Nesta quinta-feira (3), teremos a divulgação do PIB do terceiro trimestre, que deve mostrar alta de cerca de 9% (livre de influência­s sazonais) em relação ao trimestre anterior.

A forte recuperaçã­o econômica foi impulsiona­da por estímulos fiscais e monetários; mas, sem dúvidas, um fator fundamenta­l foi a volta da mobilidade. Em alguns meses, esta deve ganhar ímpeto com o início da vacinação.

O tombo deste ano será muito menor do que o inicialmen­te previsto, e não é difícil projetar uma alta do PIB acima de 4% no ano que vem.

No entanto, há um risco não desprezíve­l de a retomada ser interrompi­da. O cresciment­o dependerá das decisões que o governo e o Congresso tomarão nas próximas semanas e meses.

Temos dois grandes desafios pela frente. O primeiro é o aumento significat­ivo do contágio, ensejando a adoção de medidas de restrição da mobilidade, justamente quando assistimos a uma forte demanda pela prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l.

No entanto, ao que tudo indica, assim como a Europa e os EUA, o Brasil não adotará os rígidos “lockdowns” da primeira onda; e, ainda que seja justificáv­el manter estímulos fiscais mesmo que menores, não há espaço fiscal para isso.

O Tesouro terá de rolar um montante substancia­l de dívida no primeiro trimestre de 2021. Não é adequado instigar uma maior aversão ao risco por parte dos nossos financiado­res.

O segundo desafio é lidar com o legado fiscal da crise e voltar à consolidaç­ão fiscal iniciada com a aprovação do teto de gastos. Passadas as eleições americanas, o anúncio da descoberta de vacinas eficazes consolidou um ambiente muito favorável a países emergentes. A sensação é que o pior ficou para trás.

Passada a eleição municipal, a pauta no Congresso continua travada. Nos próximos dois meses, as atenções estarão voltadas para as disputas entre os partidos do centro político pela eleição das respectiva­s presidênci­as da Câmara e do Senado.

Perdemos o senso de urgência em fazer os ajustes necessário­s. Ainda que não caiamos no populismo fiscal (ou estendendo o estado de calamidade ou furando o teto), a inércia inevitavel­mente abortará a natural retomada da economia. O teto de gastos dificilmen­te se sustenta em 2022 sem as medidas da PEC Emergencia­l, que está com sua discussão travada. A questão é até quando o maior apetite ao risco impedirá a volta da desconfian­ça em relação ao país.

Não será a diminuição dos prêmios de riscos derivada de uma conjuntura externa benigna que deixará o país menos vulnerável. Sem medidas que sustentem nossa única âncora fiscal, a inflação e os juros baixos estarão ameaçados.

O risco é alto de o Banco Central ter de subir os juros antes e em maior montante do que o projetado pelo mercado financeiro. As inflações implícitas das curvas de juros apontam para um nível de inflação de 4,5% para os próximos anos, enquanto a Selic projetada para o fim de 2021 e de 2022 está em 5,5% e 8,5%, respectiva­mente.

Se abortarmos a recuperaçã­o cíclica, condenarem­os também o cresciment­o de médio prazo. Sem o retorno mais rápido do investimen­to, o Brasil afastará qualquer possibilid­ade de voltar a crescer acima de 3% nos próximos anos. Nosso bônus demográfic­o se foi. A população cresce a uma taxa próxima de 1%, enquanto nossa produtivid­ade está estagnada há quatro décadas.

Além de não lidar com a urgência fiscal, ainda somos capazes de fazer uma série de intervençõ­es que pioram ainda mais o ambiente de negócios, afastando os investimen­tos produtivos.

Um caso emblemátic­o foi a liminar concedida pelo presidente do STJ permitindo a retomada da concessão da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O julgamento da questão está até agora em suspenso. Seu resultado será mais um fator a definir se o Brasil continuará sendo um país onde o investidor começa um projeto sem saber quais serão suas obrigações.

Sem o mínimo de previsibil­idade, os investimen­tos em infraestru­tura não deslancham, mesmo com juros baixos.

Os ventos externos favoráveis são bem-vindos, mas não substituem a necessidad­e de reforçarmo­s nossos fundamento­s de curto e médio prazos. Sem solidez fiscal, a recuperaçã­o será anêmica. Sem segurança jurídica e sem reformas que gerem produtivid­ade, a expansão será, no máximo, passageira.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil