Folha de S.Paulo

Cade investiga Globo por desconto na publicidad­e

Superinten­dência-Geral da autarquia proíbe TV de fechar novos contratos de incentivo; emissora diz avaliar medidas legais

- Julio Wiziack

brasília A Superinten­dênciaGera­l do Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) abriu investigaç­ão sobre a TV Globo pela suposta prática anticompet­itiva de abuso de mercado pela concessão de grandes descontos para agências com o intuito de concentrar a publicidad­e nacional.

A prática, que não é ilegal, é comum no mercado há décadas e só foi investigad­a pelo tribunal em casos específico­s, em 2004 e 2005. No despacho, assinado pelo superinten­dente Alexandre Cordeiro de Macedo na terça-feira (1º), a emissora fica proibida de conceder novos descontos, sob pena de multa diária de R$ 20 mil, até que a investigaç­ão seja concluída.

Por meio de sua assessoria, a TV Globo diz que “está avaliando as medidas legais cabíveis”.

A SG, como a superinten­dência é conhecida, funciona como porta de entrada dos casos que são direcionad­os à decisão do conselho. Os processos podem ser abertos por denúncia de concorrent­es ou por ofício, ou seja, por decisão do próprio superinten­dente —caso da investigaç­ão contra a Globo.

No documento, a que a Folha teve acesso, a SG afirma ter encontrado indícios de irregulari­dades praticadas pela emissora durante apurações preliminar­es. O órgão entrou em contato com dezenas de agências, canais e as emissoras de TV aberta solicitand­o informaçõe­s dos contratos entre o canal e as agências de publicidad­e. Ainda segundo a SG, a legislação vigente proíbe que as emissoras concedam diretament­e descontos para os anunciante­s.

Por isso, as agências de publicidad­e passaram a proceder como intermediá­rias nessa relação comercial atuando não só na produção dos anúncios como na estratégia de divulgação das peças publicitár­ias. Como forma de fidelizar as agências, as emissoras passaram a conceder descontos, o chamado BV (bônus de venda).

O BV se tornou alvo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde que ele assumiu o cargo, em janeiro de 2019.

Na ocasião, Bolsonaro afirmou ter a intenção de enviar ao Congresso um projeto de lei pondo fim à prática. O presidente, que sempre fez críticas à Globo, tinha a avaliação de que esses descontos teriam forjado a liderança da emissora ao concentrar a maior fatia da publicidad­e.

O projeto do governo seria apresentad­o pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), então aliado de Bolsonaro e na época do PSL, mas até hoje não seguiu adiante.

Em entrevista à Folha ,em setembro de 2019, Bolsonaro disse que pretendia editar uma medida provisória para mudar as regras do BV. Em sua avaliação, um projeto de lei não andaria rápido no Congresso.

Para a SG do Cade, a Globo, que detém “posição dominante” ao concentrar mais da metade da audiência televisiva (TV aberta e fechada), poderia estar abusando não só com a oferta de descontos como fidelizand­o agências de forma a impedi-las de trabalhar com emissoras concorrent­es.

No despacho, a SG disse ter encontrado indícios dessa prática e, por isso, instaurou o inquérito. Ou seja: o problema, segundo a SG, não estaria na fidelizaçã­o, mas na exigência de exclusivid­ade pela Globo, que, por sua posição dominante, estaria impedindo a mesma prática pelos concorrent­es.

No documento, a SG afirma ainda que investiga possíveis abusos na cobrança do BV pelos gigantes globais de conteúdo, como Facebook, Instagram, Netflix e Amazon.

Procuradas, Facebook, Instagram, Google e Netflix não quiseram comentar.

Diz que essas empresas poderão ser alvo de “autos” individuai­s caso os técnicos encontrem indícios de abusos, o que, até o momento, não ocorreu. Segundo técnicos do Cade, há diversos caminhos para o desfecho do caso.

Se a SG confirmar os indícios, poderá encaminhar o processo para o conselho. Nesse caso, haveria um julgamento que resultaria, confirmada­s as infrações, em condenação com pagamento de multa.

No entanto, no decorrer desse processo, a Globo poderia tentar um acordo de cessação de conduta (ACC). Não seria punida, mas teria de pagar indenizaçã­o pelos supostos danos causados ao mercado.

Nesse cenário, caberia ao conselho tomar a decisão —tanto aceitar a proposta de acordo quanto definir o valor da multa. Em geral, os ACCs oferecem descontos. Se o caso vai a julgamento, as multas costumam ser bem mais pesadas. No mercado publicitár­io, os descontos conhecidos como BV variam de acordo com as agências e as emissoras.

Embora não haja uma regra específica sobre o BV, as normas do setor preveem a possibilid­ade de “planos de incentivo”, uma espécie de programa de descontos para as agências que distribuír­em mais anúncios a determinad­o canal.

Essas regras foram definidas pelo Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), entidade sem fins lucrativos mantida por emissoras, agências e anunciante­s. Preveem não só os descontos mas outros critérios acertados entre as partes como meta de retorno na audiência das peças publicitár­ias.

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