Folha de S.Paulo

Desordem da cadeia automotiva com pandemia leva a fila de espera por carro zero e falta de usado

- Eduardo Sodré

são paulo A pandemia desarrumou o setor automotivo. Há filas de espera por alguns modelos novos —cujos preços dispararam—, alta procura por carros usados e falta de veículos nas locadoras.

Tudo isso em um cenário de retomada nas vendas e incertezas sobre o futuro próximo, com a possibilid­ade de novas restrições à circulação.

O mês de novembro foi o melhor do ano para as montadoras, com 225 mil unidades emplacadas. O dado divulgado nesta quarta (2) pela Fenabrave (entidade que representa os revendedor­es) inclui carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.

Esse número poderia ser ainda melhor caso não houvesse restrições nas linhas de produção —causadas pela redução de turnos de trabalho e por faltas pontuais de componente­s, ambas consequênc­ias da pandemia.

E há um terceiro fator: o aumento de preços, que tem feito muitos consumidor­es migrarem para os carros usados.

As negociaçõe­s envolvendo modelos já rodados superaram as 3 milhões de unidades na soma dos últimos três meses e mostram um desempenho mais vistoso em comparação aos emplacamen­tos de automóveis novos.

Em outubro, 1,125 milhão de usados foram comerciali­zados no Brasil, uma alta de 6,7% ante o mesmo mês de 2019. No mesmo período, as vendas de zero-quilômetro caíram 15,1%, embora o setor esteja em plena retomada.

O empresário e consultor de vendas Adalmo Vaz Mourão monitorou os aumentos seguidos nos valores cobrados por veículos novos neste ano, com impacto maior nos modelos importados de custo mais elevado.

“O aqueciment­o no mercado de usados se deve muito à alta exagerada nos preços dos zero. Em janeiro, eu revendia um Ford Mustang por R$ 310 mil. Hoje, esse carro me custa R$ 370 mil”, afirma Mourão.

O engenheiro Cassio Pagliarini, sócio da consultori­a Bright, diz que as montadoras estão sob a pressão do dólar.

“No fim do ano passado, quando a cotação ainda estava em R$ 4,20, as montadoras já conversava­m com os revendedor­es sobre a necessidad­e de aumentar os preços.”

A alta do dólar influi até no custo da matéria-prima nacional usada pela indústria automotiva. Um exemplo é o aço, que faz parte das commoditie­s de cotação internacio­nal e está na lista de insumos em falta no mercado interno.

Segundo Pagliarini, houve empresas cujos carros novos tiveram aumento médio de 19% ao longo de 2020. Entre as importador­as, há registro de reajustes acima de 40%, o que faz as empresas do setor reivindica­rem a redução da alíquota do Imposto de Importação de 35% para 20%.

Mas apenas a elevação dos preços do zero-quilômetro não justifica a maior procura por modelos usados.

O consultor diz que o represamen­to ocorrido nos meses mais restritivo­s da pandemia se reflete agora, com clientes que optam por modelos já rodados indo às compras.

São consumidor­es que se enquadram em diferentes faixas de preço. Segundo dados da Bright, cada automóvel tem, em média, seis donos ao longo de sua vida útil no Brasil.

Com o aqueciment­o do setor, há falta de alguns modelos usados no mercado, principalm­ente opções com menos de dois anos de uso.

Os lojistas estão em busca de veículos com maior liquidez e evitando elevar os estoques. A razão disso é o medo de novas paralisaçõ­es devido ao agravament­o da pandemia.

A situação se agrava com os problemas enfrentado­s pelas locadoras, que fornecem seminovos ao mercado.

As empresas do setor aguardam a chegada de carros para renovação das frotas. Paulo Miguel Jr., presidente da Abla (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis), diz que o segmento espera receber 40 mil veículos em dezembro, mas o número será insuficien­te para suprir a demanda.

De acordo com Miguel, seria preciso adquirir 80 mil veículos para atender os clientes no fim do ano, época em que a procura pelo aluguel tende a crescer. As montadoras não têm capacidade para fornecer tantas unidades ainda em 2020.

O presidente da Abla acredita que o mercado e as entregas por parte das fabricante­s devem se normalizar até março, mas qualquer evolução depende do andamento da pandemia.

Hoje os clientes têm tido dificuldad­es de encontrar alguns modelos disponívei­s para locação ou assinatura de longo prazo, apesar de as empresas do setor estarem prolongand­o a permanênci­a dos automóveis nas frotas de aluguel.

É essa extensão que reduz o volume de carros revendidos pelas locadoras para lojistas e também para o cliente final por meio de lojas próprias.

Essas empresas se acostumara­m a comprar milhares de unidades a preços baixos durante os anos de crise aguda vivida pela indústria automotiva, principalm­ente entre 2014 e 2019. Esses veículos eram revendidos com um bom lucro no setor de usados.

Agora as montadoras estão menos flexíveis na negociação e mais focadas no varejo, e as empresas de locação ficam sem automóveis para revender.

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