Folha de S.Paulo

Longa é obra necessária sobre negros, mas soa raso e apressado

- Inácio Araujo

CINEMA

M-8 - Quando a Morte Socorre a Vida *****

Brasil, 2020. Direção: Jeferson De. Elenco: Juan Paiva, Raphael Logam, Henri Pagnoncell­i. Em cartaz

Por vezes parece que “M-8 – Quando a Morte Socorre a Vida” se dirige a nós, o público branco, de classe média, que se tem na conta de europeu. Nesses momentos, o filme mostra os brancos como são —alguns, marcados pelo preconceit­o arraigado, parte deles simpáticos e um tanto paternalis­tas em relação aos negros; existem, por fim, os com alma de Ku Klux Klan, que não aceitam um jovem negro cursando medicina.

Sim, porque é numa escola de medicina que isso se passa. O jovem Maurício vem dos bairros pobres eéoúnicon egro desu aclasse. O único sem contar os cadáveres destinados à dissecção, todos inapelavel­mente negros, fato que causa um forte efeito sobre ele eécentraln atrama.

Por vezes parece que o filme se dirige ao espectador negro. Aí já não os busca mostrar tanto como são, mas como devem ser. Ou como é desejável que sejam para enfrentar o mundo branco hostil a eles e que tende a fechar o seu caminho.

Em alguns momentos vemos o negro como o capitão do mato dos tempos atuais —o PM que enfia o pé no pescoço do jovem negro que passava por ali, ou seja, na zona rica do Rio de Janeiro (onde se passa a trama), ou o porteiro que olha desconfiad­o para o rapaz que acompanha a sua namorada branca.

Então está tudo certo? Este é o problema —está tudo certo demais.

Essa parte boa de “M-8” nos leva a outra —nem tão boa. Primeiro, existe a construção capenga dos personagen­s, que existem exclusivam­ente para a trama, isto é, em função de conduzir o enredo a um determinad­o ponto.

O jovem Ku Klux Klan não existe senão para ser o antagonist­a (fugaz) de Maurício; a simpática namorada não passa nenhum branco para trás ao decidir ficar com ele. Claro, nada disso é obrigatóri­o, mas a atração da garota por um negro não seria mais interessan­te se gerasse reação dentro da faculdade elitista?

Em sentido contrário, a religião afro-brasileira professada pela mãe do rapaz é usada adequadame­nte, já que Maurício sofre com os corpos sempre negros e anônimos das aulas de anatomia, porém a fé materna o leva a crer numa outra existência. É um ponto que merecia ser tratado mais detidament­e.

Num filme com certa ambição de atingir um público amplo (vejamos a lista de produtores e a distribuiç­ão), esse material propiciari­a criar ao menos algum suspense. Em vez disso, quase sempre a trama corre lisa, sem sobressalt­os, como se estivesse com pressa de chegar ao final para demonstrar seu ponto.

Isso explica bem o sentimento do espectador de estar diante de uma fábula demonstrat­iva, onde tudo caminha todo o tempo, porém incapaz de transmitir o sentimento de que estamos diante da vida. É cinema, apenas.

Talvez a busca de um público amplo explique a simplifica­ção da trama. Mas não explica a dificuldad­e no controle do espaço, certos gestos significat­ivos porém deixados de lado (entre outros, o estojo que o velho médico e amigo dá a Maurício), nem a direção de atores aproximati­va.

Enfim, tudo o que faz de “M-8” um esforço necessário —filme de cineasta negro sobre negros e visando público amplo— arrasta consigo inúmeros problemas, que talvez não seja muito inexato resumir na palavra academicis­mo.

 ?? Divulgação ?? O ator Juan Paiva, à frente, em imagem do cartaz do filme ‘M-8 - Quando a Morte Socorre a Vida’, do cineasta Jeferson De, que estreia agora nos cinemas
Divulgação O ator Juan Paiva, à frente, em imagem do cartaz do filme ‘M-8 - Quando a Morte Socorre a Vida’, do cineasta Jeferson De, que estreia agora nos cinemas

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