Folha de S.Paulo

Com maioria justa no Senado, Biden terá de dialogar

Minoria no Senado desde 2014, democratas começam legislatur­a com margem pequena na Casa

- Diogo Bercito

O controle do Senado, somado à Câmara também democrata, facilita a agenda legislativ­a de Joe Biden no início de mandato, mas não significa carta branca. A maioria apertada entre os senadores deve forçá-lo a negociar com republican­os moderados.

Joe Biden, eleito presidente dos Estados Unidos, começará seu governo com uma boa mão. Ele terá o controle da Presidênci­a, da Câmara e do Senado. Isso aumenta a sua capacidade de implementa­r a agenda legislativ­a de seu partido —que inclui estímulo econômico para lidar com a crise da Covid-19, apoio a energias limpas e a possibilid­ade de a capital virar um estado.

O sucesso dessas empreitada­s dependerá, no entanto, de como Biden jogar suas cartas.

Os democratas conquistar­am a Presidênci­a e a maioria da Câmara já nas eleições de 3 de novembro. Ficou faltando o resultado da Geórgia para o Senado, pois nenhum candidato teve mais de 50% dos votos naquele estado. O desempate veio na terça (5) e o favoreceu: venceram Jon Ossoff e Raphael Warnock, um duro golpe ao Partido Republican­o e a Donald Trump.

Tanto Câmara quanto Senado precisam chancelar uma lei. Mas o Senado tem outras prerrogati­vas, como o poder de ratificar tratados e o de aprovar as nomeações de um presidente. É o Senado, também, que dá a palavra final se um presidente é retirado do cargo depois de a Câmara votar pelo afastament­o. Foi o Senado que salvou Trump, aliás —ele foi impichado pela Câmara, de maioria democrata, e o Senado republican­o o manteve na Presidênci­a.

Daí a importânci­a da vitória democrata no último dia 5. Isso e o fato de que o partido não controlava o Senado americano desde 2014. A disputa para essa Casa acontece a cada dois anos, quando eleitores renovam parte dos legislador­es. É o chamado “midterm”, o pleito de meio de mandato. Os deputados governam por dois anos, nos

EUA, e os senadores, por seis.

Alan Morrison, professor de direito da Universida­de George Washington, explica que, sem o controle do Senado, dificilmen­te os democratas conseguiri­am aprovar seu programa de governo, porque, na prática, é preciso controlar os comitês legislativ­os da Casa para levar uma medida a voto.

Mitch McConnell, líder republican­o no Senado sob o governo Trump, naufragou a maior parte das tentativas democratas de fazer lei. Ele também garantiu que nomeações do presidente fossem concretiza­das, até as mais polêmicas, como a da juíza Amy Coney Barrett, indicada por Trump à Suprema Corte em setembro e aprovada às pressas pelo Senado, a despeito do protesto democrata, que via a proximidad­e da eleição presidenci­al como um empecilho.

Ter o controle do Senado, no entanto, não dá carta branca para Biden. Até porque a sua maioria é delicada. O Senado nos próximos dois anos terá uma ala formada por 48 democratas e 2 independen­tes e outra com 50 republican­os. A única vantagem do novo governo é que a vice-presidente eleita Kamala Harris tem o voto de desempate, por acumular o cargo de presidente da Casa.

“Não podemos exagerar o significad­o de ter uma maioria democrata no Senado”, diz Morrison. “A margem é bastante pequena, e os senadores não necessaria­mente votam da mesma maneira em todas as questões. Se um senador discordar em um voto, ou não estiver presente, ou morrer, ou o que quer que possa acontecer com ele, os democratas já não terão a maioria.”

Há também o “filibuster”. Esse controvers­o mecanismo, com o qual legislador­es podem obstruir votações, significa que na prática é necessário ter 60 dos 100 senadores para aprovar algumas medidas.

Assim, para pôr seus planos de governo em prática, Biden terá que negociar com os rivais republican­os. Terá que cumprir o que prometeu em campanha: governar para ambos os lados, algo que seu antecessor não fez, e avançar pautas bipartidár­ias no Congresso.

Como será necessário contar com o voto republican­o “do outro lado do corredor” —como se diz no jargão político americano—, Biden deve buscar o apoio de figuras moderadas do partido rival, como os senadores Mitt Romney (Utah) e Lisa Murkowski (Alasca).Romney,porexemplo, votou pela condenação de Trump no processo do impeachmen­t, no ano passado, em umadasacus­açõesemque­stão.

É difícil prever, nesse contexto, o que vai acontecer nos primeiros dois anos de mandato, diz Morrison. Em parte, afirma, porque Biden tem um número limitado de pautas que pode concretiza­r em um período tão curto, antes de seu capital político —hoje alto— acabar. “O desafio dele vai ser escolher com que medidas vai começar o governo, o que será a sua prioridade.”

Uma prioridade, ademais, é inescapáve­l: Biden terá que levantar a economia americana depois de um ano de pandemia, fechamento­s e isolamento social. Isso significa que boa parte de seu capital político inicial será investida na aprovação de pacotes de auxílio e estímulo econômico.

Ele já disse, por exemplo, que vai dar um mês para que o Congresso apresente uma medida para sanar a atual crise. Uma das possibilid­ades é oferecer um auxílio emergencia­l de até US$ 2.000 (R$ 10 mil) para a população, algo que prometeu aos eleitores da Geórgia —aqueles que lhe deram a maioria no Senado.

A proposta de enviar tal va

“Não podemos exagerar o significad­o de ter uma maioria democrata no Senado. A margem é bastante pequena, e os senadores democratas não necessaria­mente votam da mesma maneira em todas as questões. Se um senador discordar em um voto, ou não estiver presente, ou morrer, ou o que quer que possa acontecer com ele, os democratas já não terão a maioria

Alan Morrison professor de direito da Universida­de George Washington

lor aos americanos foi aprovada pela Câmara, sob controle democrata. O Senado até então republican­o, no entanto, rejeitou a ideia, mesmo com o apoio de Trump. Os novos planos incluem, também, ampliar auxílio-desemprego e pagar os dias de trabalho perdido de quem ficou doente.

Com a necessidad­e de colocar o foco na recuperaçã­o econômica, as demais pautas devem ficar por ora em segundo plano, como a ideia de passar um projeto de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) para incentivar a transição dos Estados Unidos a energias limpas, reduzindo as emissões de carbono.

Outras medidas que podem aparecer nesses dois anos, se houver capital político para Biden, são a transforma­ção do Distrito de Columbia, onde fica Washington, e Porto Rico em estados e o fim do “filibuster”.

Mas para Morrison, a pergunta não é exatamente o que Biden conseguirá aprovar e o que não conseguirá, tendo controle das duas Casas do Congresso. A pergunta é o grau, diz. Ou seja, o quanto o presidente terá de se adaptar às circunstân­cias. No caso do estímulo econômico para lidar com a pandemia, por exemplo, é provável que ele vença —mas com menos dinheiro do que queria.

Uma das coisas que já parecem descartada­s, no entanto, é a possibilid­ade de que Biden ouça os apelos de alguns de seus colegas e tente aumentar o tamanho da Suprema Corte, acrescenta­ndo mais cadeiras ao tribunal, que hoje tem uma ampla maioria conservado­ra, de 6 a 3.

“Isso não vai acontecer. Não com essa margem pequena”, Morrison diz. O assunto, afinal, é controvers­o demais. Mesmo senadores democratas devem votar contra, e não haveria mais maioria alguma. “Biden não comprará essa briga.”

 ?? J. Scott Applewhite - 6.jan.21/Reuters ?? Sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados dos EUA para certificar resultado do Colégio Eleitoral e selar vitória de Joe Biden como presidente dos EUA
J. Scott Applewhite - 6.jan.21/Reuters Sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados dos EUA para certificar resultado do Colégio Eleitoral e selar vitória de Joe Biden como presidente dos EUA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil