Folha de S.Paulo

Voto impresso não se discute com a faca no pescoço

Candidato de Maia ao comando da Câmara diz que Bolsonaro erra ao pôr sistema eleitoral em xeque, mas impeachmen­t traria instabilid­ade

- Baleia Rossi

Candidato à sucessão de Rodrigo Maia na presidênci­a da Câmara, o deputado federal do MDB por São Paulo diz que o presidente Jair Bolsonaro erra e cria instabilid­ade ao pôr em xeque a lisura do sistema eleitoral e pedir a volta do voto impresso.

O deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidênci­a da Câmara dos Deputados, disseà Folha que o presidente Jair Bolsonaro erra e cria instabilid­ade ao colocar em xeque a lisura do sistema eleitoral e pedir a volta do voto impresso.

O parlamenta­r admite debater o modelo de votação, caso seja eleito, mas não sob “clima de desconfian­ça”.

“Essa é uma discussão que precisa ser feita. Mas você não pode fazer esse debate com a faca no pescoço de quem comandou uma eleição limpa e que não foi contestada. Assim que virar a página, podemos discutir”, afirma.

Apesar de críticas à condução de Bolsonaro na vacinação contra a Covid-19, o parlamenta­r diz que não é “bom momento” para que se trate de um pedido de impeachmen­t, mas diz que pautas de costumes que “dividam o país” não serão votadas, caso vença.

Lançado a partir de um bloco composto por 11 partidos, que inclui o PT, Baleia tenta se equilibrar entre acenos à esquerda e ao centro.

* Como pretende se diferencia­r do outro candidato, Arthur Lira (PP-AL), se o sr. também tem forte viés governista?

Vivemos um momento de grandes dificuldad­es. Ser independen­te não significa que você vai votar contra matérias que sejam importante­s para o desenvolvi­mento do Brasil. Pelo contrário. Tenho minha responsabi­lidade, meu compromiss­o. Acredito naquilo que votei e defendi.

Na área econômica, acho que é fundamenta­l, porque nosso objetivo é geração de emprego, renda, que a economia volte a crescer, e a gente vive uma das piores crises econômicas da nossa história.

E os líderes do governo Bolsonaro, que são do MDB, não há uma incongruên­cia continuare­m no cargo se o sr. se vende como independen­te?

O partido não indicou ninguém para a liderança [do governo]. Agora, o presidente reconheceu em lideranças do MDB pessoas com experiênci­a, com bagagem para contribuir nessa interlocuç­ão com o Senado e com o Congresso. Nós não temos nenhuma dificuldad­e em colaborar com o que é bom. Agora, temos uma posição partidária de independên­cia e agimos dessa forma.

O que é pauta que divide a sociedade, que não contribui com o país, nós não vamos votar. Acredito numa Câmara conectada com a sociedade, que não seja um puxadinho de outro Poder.

A defesa da democracia é inegociáve­l, precisamos lutar com todas as nossas forças. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos esses dias. Algo gravíssimo, que foi potenciali­zado pelo presidente do próprio país, que é a maior autoridade do mundo.

No lugar de condenar o que ocorreu os EUA, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar sobre risco de fraude em eleições e a necessidad­e ter o voto impresso. Como vê a proposta

Eu acredito que o presidente Bolsonaro erra quando coloca o nosso sistema eleitoral em xeque. Não temos nenhum elemento que possa comprovar que as eleições não foram lícitas nem corretas. Nem as municipais nem as presidenci­ais, que ele mesmo ganhou por meio do voto popular. Essa é uma discussão que vai ter de ser feita.

O sr. pautaria um projeto que pede a volta do voto impresso?

Nós já votamos essa matéria lá atrás [em 2015]. Eu me posicionei favoravelm­ente, entendendo que, para haver algum tipo de checagem, você pode ter essa discussão. Agora, não dá para ter essa discussão em meio a desconfian­ça. Você não pode fazer esse debate com a faca no pescoço de quem comandou uma eleição limpa e que não foi contestada.

Eu não tenho problema nenhum de discutir esse assunto, mas acho que o momento não é esse. Nós podemos discutir, avançar, mas não com esse clima de desconfian­ça. Precisamos deixar claro que a Justiça Eleitoral tem o nosso respeito e a confiança da política, que os resultados das eleições foram legítimos e representa­m a vontade popular.

Virada essa página e reafirmand­o a confiança nas instituiçõ­es, podemos começar uma discussão sobre esse assunto, não vejo problema nenhum.

Endossa a notícia-crime contra Bolsonaro, por indefiniçã­o no calendário de vacina, apresentad­a ao STF pelo PDT, que é um partido que o apoia?

O nosso bloco é uma frente ampla. Quero destacar que, após a redemocrat­ização do país, foi a primeira frente ampla com partidos que são diferentes, pensam diferente, [têm] olhares para a economia de formas divergente­s muitas vezes do Estado.

Essa é uma discussão jurídica, e não política. Defendo que a vacina seja para todos, gratuita e que tenhamos um plano de vacinação. Precisamos de prioridade. Queremos que haja uma união nacional porque a população que passou um ano angustiada está desiludida. É triste ver que outros países estão vacinando, mas a gente não.

O sr. descarta abrir um processo de impeachmen­t caso ele continue com esse discurso?

Eu não conheço [os pedidos]. Não há nenhum compromiss­o, como muitos falam, de abertura de impeachmen­t. É uma mentira.

[Dar início ao processo] é uma prerrogati­va do presidente da Câmara, mas nós precisamos, ainda mais neste momento em que a pandemia dá sinais de cresciment­o, de estabilida­de.

Deflagrar um processo de impeachmen­t traria mais instabilid­ade?

Acho que sim. Não é o caminho, não é bom para o Brasil. O impeachmen­t é o extremo do extremo do extremo que está na nossa Constituiç­ão. Precisamos hoje de estabilida­de. E reafirmo que não houve compromiss­o de abertura de impeachmen­t. Todos têm que trabalhar por uma unidade. A gente fala que a Câmara tem que ser independen­te, mas tem que ser harmônica. E tem que trabalhar em harmonia com o Poder Judiciário e o Executivo.

O sr. faz uma campanha contra um candidato que o seu bloco chama de governista. Como vai encontrar o meiotermo e promover o diálogo com o governo e o presidente?

A Câmara independen­te não é uma Câmara de oposição. É uma Câmara que garante que os 513 deputados vão poder exercer o seu mandato sem a interferên­cia de outro Poder.

O sr. falou que é preciso ampliar o Bolsa Família ou retomar o auxílio emergencia­l. O governo tentou fazer esse movimento, mas não conseguiu, nem criar um novo programa. O problema seria a falta de recursos. Uma forma de fazer isso é furando o teto de gastos. Acha que, se necessário for, é preciso furar o teto?

No nosso bloco, nós temos dois entendimen­tos. O centro independen­te pensa de uma forma e os partidos de oposição pensam de outra forma. Os de oposição entendem que uma ação dessa poderia ser fora do teto.

Eu entendo que dá para você reorganiza­r as despesas hoje do nosso país e priorizar o reforço do Bolsa Família para que, enquanto não houver vacina, a gente possa acolher esses milhões de vulnerávei­s que vão voltar a passar fome, dificuldad­es e não ter dignidade.

Entendo que a solução tem de estar dentro do teto. É uma discussão que tem que ocorrer. Para o país voltar a crescer, precisamos também adotar medidas que sinalizam para isso. Temos que reorganiza­r as despesas e colocar a tributária em votação.

Não é estranho o MDB, que capitaneou o impeachmen­t de Dilma, ter o PT no bloco de apoio?

Essa frente ampla foi amplamente debatida. Tanto é que nós demoramos a lançar a nossa candidatur­a. Houve o amadurecim­ento dessa discussão em cada um dos partidos, e as siglas estão fazendo essa aliança olhando para frente. Estamos olhando uma perspectiv­a de termos uma Câmara independen­te e a defesa intransige­nte da nossa democracia. Esses são os pilares que sustentam a nossa candidatur­a e são muito mais importante­s que as nossas diferenças.

O sr. defende as reformas, e uma delas é a administra­tiva. O PT é contra essa reforma. Como vai se posicionar em relação a essa matéria?

Nós temos dois grupos de partidos que compõem a nossa frente ampla. Os do centro têm uma visão da importânci­a e da necessidad­e da reforma. Os de oposição entendem que ela não pode prosperar. Como presidente da Câmara, eu vou fazer com que haja um debate sobre todas as reformas.

O sr. atraiu o PT, mas enfrenta resistênci­as no partido, assim como no DEM e no PSDB. O que o faz acreditar que vai vencer as eleições?

O diálogo. O PT fez várias reuniões e amadureceu esse tema. A decisão do PT foi muito importante para a união da frente ampla, ao lado do PC do B, do PDT, do PSB. São os partidos da esquerda que definiram participar dessa frente ampla. A democracia é assim.

A decisão do PT nos dá um bloco amplamente majoritári­o e nos dá perspectiv­a de vitória. Vou trabalhar com humildade, conversar com cada um dos parlamenta­res para afirmar as nossas convicções de que a Câmara independen­te, além de melhor para o Brasil, é melhor para o parlamenta­r.

O sr. pensa em levar a votação pautas de costumes, como o projeto que flexibiliz­a o porte de armas?

Essa é uma decisão do colégio de líderes, mas eu entendo que essas discussões dividem a Câmara, a sociedade, e este é um momento de união para enfrentar o grande problema que temos, que é a pandemia. Se for vontade da maioria da Casa, não vou me opor como presidente, mas entendo que não é o momento.

“Bolsonaro erra quando coloca o nosso sistema eleitoral em xeque. Não temos nenhum elemento que possa comprovar que as eleições não foram lícitas nem corretas. Nem as municipais nem as presidenci­ais, que ele mesmo ganhou por meio do voto popular. Essa é uma discussão que vai ter de ser feita

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Baleia Rossi, 48
Presidente nacional do MDB (Movimento Democrátic­o Brasileiro) e líder do partido na Câmara, o deputado federal por São Paulo está em seu segundo mandato. Começou a carreira política como vereador de Ribeirão Preto. Foi deputado estadual em São Paulo de 2003 a 2015 e atuou como secretário municipal de Esportes de Ribeirão em 1998
Pedro Ladeira/Folhapress Baleia Rossi, 48 Presidente nacional do MDB (Movimento Democrátic­o Brasileiro) e líder do partido na Câmara, o deputado federal por São Paulo está em seu segundo mandato. Começou a carreira política como vereador de Ribeirão Preto. Foi deputado estadual em São Paulo de 2003 a 2015 e atuou como secretário municipal de Esportes de Ribeirão em 1998

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