Folha de S.Paulo

Este atraso é uma vergonha; adoraria já ter sido vacinado

Aos 76 anos e recluso há dez meses, fundador da Cyrela diz que demora na vacinação prejudica a todos

- Elie Horn

O fundador da construtor­a Cyrela não sai de casa desde 15 de março, no início da pandemia. Nesse tempo, afirmou à Folha, dedicou-se à filantropi­a. Sobre economia, disse que 2020 foi “bom para quase todo mundo, apesar das circunstân­cias”.

Quando a pandemia do novo coronavíru­s chegou ao Brasil, o empresário Elie Horn adotou a precaução de ficar recluso em sua casa, no Cidade Jardim, bairro nobre da capital paulista. Entrou na residência no dia 15 de março de 2020 e não saiu de lá até agora.

Com 76 anos, o fundador da Cyrela,u madas maiores construtor­as do país, está em rígi- do confinamen­to. Convive ape- nas comasu amu lher,Suzy, que também não sai de casa.

Não temos contato nem com os filhos. “Fizemos uma linha de marcação na entrada da casa que é até onde eles podem vi reagente fica a cinco metros de distância. É pela idade. Agente não pode brincar. Estou com 76 anos, não posso brincar com isso”, diz.

Ele conta que ocupou seu tempo durante esses dez meses fazendo ainda mais filantropi­a. O empresário está longe do dia a dia daCyre la desde 2014 e se tornou o primeiro brasileiro a aderir ao Giving Plegde, iniciativa de Bill Gates e Warren Buffett, e se compromete­u adoar 60% de toda sua fortuna em vida.

Mesmo sendo um filantropo, acredita que é preciso cautela na concessão do auxílio emergencia­l. “Se tem que ter o auxílio, não sei, mas sei que temos que ter austeridad­e fiscal para não termos problema de inflação, de juros altos, de surpresas negativas fiscais no futuro”, diz.

Nascido em Alepo, na Síria, ele está no Brasil desde 1955, mas ainda mantém um leves ota que.Hornf alouco ma reportagem por ligação de vídeo enquanto tomava café da manhã.

Qual a expectativ­a do senhor

para este ano? Devemos ter um bom 2021. O problema é que, se houver muita interferên­cia, essa melhora pode postergar. Mas eu estou otimista. Nós vamos levantar.

Que tipo de interferên­cia? Não vou falar. Política sempre interfere, mas eu não falo sobre política.

Mas política e economia estão intrinseca­mente ligadas. Não entro em detalhes políticos, porque é muito complicado. Acho que, se deixar a economia andar sozinha, deixar os empresário­s trabalhare­m direito,

eles vão gerar riqueza e melhorar o PIB [Produto Interno Bruto]do país. Infelizmen­te, muita interferên­cia faz mal.

E como os empresário­s podem conseguir um 2021 melhor? Um problema para evitar é a falta de liquidez [acesso rápido a dinheiro em caso de necessidad­e de recursos]. Tem que tomar cuidado para não ser pego de calça curta.

Na Cyrela, a gente trabalha com um caixa que nos permite sobreviver em crises. Ou seja, todo ano nós temos que ter uma reserva financeira que nos permita acabar as obras, pagar as dívidas e sobreviver sem vender nada. A gente persegue isso. E eu estou dando essa sugestão para quem gostar da ideia.

Como se garante essa liquidez? É só não fazer mais dívida quando já deve. Tem que ser ambicioso, mas sem ser irresponsá­vel. Para conseguir a liquidez adequada, para não ser pego em calça curta, precisa ter dinheiro em caixa e ter linha de crédito adequada.

Eu falo da necessidad­e de ter liquidez para ultrapassa­r as crises. Se você morre [no aspecto empresaria­l], não produz mais. Acabou. É melhor sofrer, apanhar e se aguentar para o próximo boom. Se você morrer, perder seu nome, perdeu tudo.

Estamos vivendo um momento de boom do mercado imobiliári­o. Pode ser o momento de uma bolha? O setor ficou sem produção durante muitos meses. Com os juros baixos, o investimen­to imobiliári­o se tornou uma boa opção. Não sou bidu para saber se isso é verdade. Mas por muito tempo parou de produzir, e no fim da pseudocris­e houve a necessidad­e de novos produtos.

Pseudocris­e? 2020 foi um ano bom para quase todo o mundo, apesar das circunstân­cias. Em março, eu pensei que o mundo fosse desabar. Em junho e julho, pensei que a crise ia acabar conosco, como ocorreu em 2008, que foi muito forte. Mas, nesse ano de 2020, a crise acariciou e foi embora.

A crise já acabou? Não falei isso. Eu falei que acariciou e foi embora. Não chegou a afetar o país. O grande problema foram as mortes pela doença. Pessoas morreram e não vão voltar.

Alguma coisa poderia ter sido feita diferente? A demora em tomar decisão fez mal. As críticas internas fazem mal. Tem que ter união para resolver o problema. Não ficarem um contra o outro. A polarizaçã­o prejudica o país. Tem que ter oposição, mas consciente. Tem que haver união.

Qual a sua opinião sobre a vacina? Adoraria já ter sido vacinado para sair do confinamen­to. É uma vergonha o atraso da vacina. Cada vez tem mais mortes e mais infectados. O atraso só prejudica a saúde da população como um todo. Independen­temente de quem tenha que resolver esse assunto, é urgente, urgentíssi­mo. Ou seja, em horas.

Tomaria fora do Brasil? Tomaria dentro ou fora. Quero sair logo do confinamen­to. Estou cansado. Já faz dez meses. Nesse período curti a esposa, estou lendo, fazendo mais filantropi­a, mais contatos via Zoom —aprendi a mexer no Zoom, é muito bom.

Mas estou sobreviven­do. Prefiro a vida normal, gosto de ver gente. Estou muito isolado. Não temos contato nem com os filhos. Fizemos uma linha de marcação na entrada da casa que é até onde eles podem vir e a gente fica a cinco metros de distância. É pela idade. A gente não pode brincar. Estou com 76 anos, não posso brincar com isso.

O senhor diz que se dedicou à filantropi­a. O que fez? Fiz várias coisas, ajudei os pobres a comer, se educar e a se vestir. Atacamos a prostituiç­ão infantil, que é um crime que assola o país. Aprendi a ser assim com meu avô, que não conheci. Ele levantou recursos na Europa para alimentar órfãos de guerra na Síria. Quando eu tinha 40 anos, meu pai doou tudo o que ele tinha, era pouco, mas ele doou tudo.

O fundamenta­l é mencionar o bem. O bem é algo ligado a nós, não é opcional. Tem que repercutir para mexer no povo, para que cada vez mais as pessoas façam o bem ao próximo.

Qual a sua opinião sobre o auxílio emergencia­l? O ideal é que o governo não tenha déficit. E esse auxílio aumentou o déficit. Se tem que ter o auxílio, não sei, mas sei que temos que ter austeridad­e fiscal para não termos problema de inflação, de juros altos, de surpresas negativas fiscais no futuro.

A situação fiscal preocupa mais o senhor? Me preocupa. Não sou uma pessoa pessimista. Sou positivo, otimista e acho que vai dar certo.

Todo problema é um teste. O mundo foi criado de propósito como um teste. Os problemas que existem são normais. Temos que aguentar, reagir e não deixar afundar pelas circunstân­cias.

“2020 foi um ano bom para quase todo o mundo, apesar das circunstân­cias. Em março, pensei que o mundo fosse desabar. Em junho e julho, pensei que a crise ia acabar conosco, como ocorreu em 2008, que foi muito forte. Mas, nesse ano de 2020, a crise acariciou e foi embora

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Keiny Andrade - 15.mai.2019/Folhapress

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