Folha de S.Paulo

Altivez no Congresso

Acerca de eleições internas na Câmara e no Senado.

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Por sua natureza, o Legislativ­o é o mais transparen­te dos Poderes. Guardam-se menos segredos quando há centenas de parlamenta­res no Congresso Nacional e nas assembleia­s estaduais, além de milhares nas câmaras municipais, com mandatos populares, direito a voz e interesses conflitant­es.

Tendo mais expostos seus conchavos, privilégio­s, interesses menores, escândalos e outros desmandos, não espanta que seja também o Poder mais vulnerável ao desgaste perante a opinião pública.

Em pesquisa Datafolha de agosto, o Congresso era tido como ruim ou péssimo por 37% do eleitorado e ótimo ou bom por apenas 17%. Já o Supremo Tribunal Federal obtinha equilíbrio entre reprovação e aprovação, de 29% e 27%, respectiva­mente, assim como o presidente Jair Bolsonaro, com 34% e 37%, saldo positivo na margem de erro.

Para esta Folha, sem fechar os olhos para condutas viciadas de não poucos deputados federais e senadores, deve-se reconhecer a atuação relevante da atual legislatur­a —que, até aqui, soube se portar com altivez ante um chefe de Estado empenhado na desmoraliz­ação da política e das instituiçõ­es.

No posto desde 2016, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), atuou como primeiro-ministro de fato em meio à acefalia do Executivo. No Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com menores antagonism­o e protagonis­mo, também honrou a independên­cia da Casa.

Desse modo o Congresso tanto foi capaz de liderar a reforma da Previdênci­a em 2019 e a criação do auxílio emergencia­l durante a pandemia, sem os quais a situação do país seria muito mais precária hoje, quanto de derrubar medidas provisória­s e decretos abusivos, além de responder de público às imprecaçõe­s de Jair Bolsonaro.

A preservaçã­o de tal postura precisa ser tema central nas eleições internas que, em fevereiro, definirão os sucessores de Maia e Alcolumbre. Derrotado, felizmente, um ensaio de manobra jurídica para criar possibilid­ade de reeleição, cabe agora a parlamenta­res e sociedade exigir compromiss­os dos candidatos às duas presidênci­as.

Deve-se questionar Arthur Lira (PP-AL), alvo de ações penais no STF e candidato de Bolsonaro ao comando da Câmara —sem poupar seu adversário, Baleia Rossi (MDBSP), que ademais deve responder por suspeitas de malfeitos passados, e os postulante­s do Senado, onde o presidente indica apoio a Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Um Congresso mais subservien­te ao Planalto seria, a esta altura, grave retrocesso no amadurecim­ento democrátic­o. Nem é oposição o que se cobra; trata-se de não permitir que uma instituiçã­o se apequene em nome de algum pragmatism­o míope e mesquinho.

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