Folha de S.Paulo

Privilégio­s

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A reação contra a proposta do governo de São Paulo de reduzir benefícios tributário­s ilustra a dificuldad­e com a agenda de reformas no Brasil.

O problema não se resume à falta de vontade política. Nos últimos anos, foram muitas as tentativas de diminuir privilégio­s e distorções, mas encontrara­m violenta resistênci­a dos grupos beneficiad­os.

Em ao menos um caso, a reação ultrapasso­u os limites da legalidade. O governador Paulo Hartung fora eleito em 2014 alertando sobre o descontrol­e das contas públicas do Espírito Santo e promoveu diversas reformas para controlar o cresciment­o das despesas obrigatóri­as com servidores.

A Polícia Militar reagiu e iniciou um movimento que retirou das ruas a segurança pública. Foram semanas de horror, e a taxa de homicídio dobrou em fevereiro de 2016. O governador, contudo, enfrentou a greve ilegal, que terminou com policiais condenados.

Existem outras histórias de gestores que procuraram reformar muitas regras que garantem privilégio­s a empresas privadas e a categorias de servidores públicos. Alagoas e Rio Grande Sul, por exemplo, têm conseguido reduzir algumas dessas distorções.

Em São Paulo, como escrevi aqui em 24/10, há uma lista impression­ante de produtos beneficiad­os com isenção de ICMS ou alíquotas bem menores das que pagam os demais.

Bulbo de cebola, pós-larva de camarão e cavalos puros-sangues, desde que não do tipo inglês, são apenas alguns exemplos dos bens favorecido­s. A renúncia com essas desoneraçõ­es passa de R$ 40 bilhões por ano, bem mais do que o governo federal gasta com o Bolsa Família.

As lideranças do setor privado, porém, defendem reformas desde que não afetem seus próprios privilégio­s. A proposta do estado incluía tributar em 4,14% bens que nada pagam atualmente, mas ainda muito abaixo da alíquota padrão de 18%. Em outros casos, a alíquota passaria de 7% para 9,4%, ou de 12% para 13,3%.

A pequena redução dos benefícios provocou reações indignadas e “tratoraços”. Esses produtores não aceitam ser tratados como a maioria da sociedade.

Em 2011, Branca Vianna contou, na revista Piauí, a notável história do geólogo iraquiano Farouk Al-Kasim. A vida no seu país não era fácil em meados do século passado. “No cinema, por exemplo, as crianças gostavam de se sentar na primeira fila. Mas, se a família do chefe de polícia tinha o mesmo gosto e encontrava as poltronas ocupadas, todos tinham que se levantar para dar-lhes lugar.”

Farouk acabou por fugir para a Noruega, onde revolucion­ou o setor de petróleo.

No Brasil da meia-entrada, tem muito empresário que ainda se acha com direito à primeira fila no cinema.

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