Folha de S.Paulo

Licença para matar reputações

Jamais obtive da ANS qualquer benefício ilícito

- José Seripieri Júnior Empresário, fundador do Grupo Qualicorp e presidente da Qsaúde

Em respeito aos leitores desta Folha, e em resposta ao estarreced­or artigo do colunista Elio Gaspari (“Barroso pode homologar delação da Qualicorp; Lava Jato começou com muito menos”; 6.dez.20), espantoso pela falta de profission­alismo ao lançar acusações inverídica­s sobre mim, faço questão de prestar esclarecim­entos.

De início, eu e a Qualicorp jamais exercemos atividades de operadoras de planos de saúde. Nosso principal negócio era a venda e a manutenção de clientes por meio de uma corretora de seguros e de uma administra­dora de benefícios, ambas numa relação privada totalmente facultativ­a, portanto jamais compulsóri­a ao cliente.

Comecei a trabalhar em 1981, aos 13 anos de idade. Em 1997, construí a Qualicorp, que hoje emprega milhares de pessoas, deu acessibili­dade facultativ­a a milhões de consumidor­es à saúde suplementa­r e já recolheu bilhões de reais em impostos. Tudo isso apesar de a Qualicorp representa­r menos de 1% do mercado de saúde suplementa­r e, portanto, ser incompatív­el com o tamanho que o colunista quis atribuir-me.

Não se nega a existência de problemas no setor, como em qualquer outra área da economia. O texto, porém, faz questão de omitir que na saúde suplementa­r não há, na sua concepção e essência, uso de dinheiro público. Não à toa ela se chama “saúde suplementa­r”. Além disso, este setor é extremamen­te regulado, pois ao longo de 20 anos já foram editadas 54 medidas provisória­s e 969 atos normativos sobre ele.

Nem o SUS, que atende mais de 150 milhões de brasileiro­s e vive de recursos públicos, é tão regulado. Mas daí à babilônia da corrupção pintada por Gaspari vai imensa distância entre a verdade e a sua imaginação.

O jornalista proferiu ainda uma sequência de juízos especulati­vos e presunções a meu respeito e da Qualicorp, chegando a me acusar de praticar irregulari­dades junto à Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS), sem identifica­r ou provar nem um único caso. Jamais obtive da ANS qualquer benefício ilícito para mim ou para a Qualicorp. As relações mantidas com a agência foram e são estritamen­te institucio­nais e republican­as. O colunista chegou à aberração de conjectura­r que eu teria interferid­o na redação de medida provisória para reduzir multas aplicadas pela ANS às operadoras de saúde, assim como tratar de questões de ressarcime­nto ao SUS, mesmo não tendo jamais a Qualicorp sido uma operadora, faltando-lhe claramente um mínimo de conhecimen­to sobre o setor.

Insinuou que eu teria sido bemsucedid­o em razão de relações promíscuas com a agência ou políticos, desprezand­o décadas de muita luta e trabalho privado. Tudo isso de modo a justificar devaneios de que a Procurador­ia-Geral da República (PGR) estaria diante da “oportunida­de de abrir a caixa-preta dos planos” e de que a “memória da Qualicorp” guardaria muito mais a ser revelado, sem se dar ao trabalho que se esperaria de um jornalismo sério de embasar tais ilações em qualquer prova. Para desalento do articulist­a, que errou feio, não faço a menor ideia do que seja a tal “caixa-preta da saúde”.

Elio Gaspari é convicto de que a saúde suplementa­r é um antro de corrupção. Parece haver uma verdadeira fixação de sua parte, segundo a qual a podridão moral é metástase no setor. Um mantra irresponsá­vel para concluir que “Aí tem. Não sei o que é, mas tem que ter!”.

O problema é inventar-se qualquer coisa desconexa da realidade, apenas pela vaidade de se construir uma narrativa destrutiva, incompatív­el com um jornalismo comprometi­do com a verdade.

Tivesse ele previament­e me escutado, poderia ter poupado os leitores de seus graves equívocos. A divulgação dos esclarecim­entos ora apresentad­os, embora tardia, reafirma o compromiss­o da Folha com a pluralidad­e e com a veracidade das informaçõe­s prestadas aos seus leitores.

Gaspari, em contrapart­ida, parece autoagraci­ado por uma espécie de “certificad­o 007”, com licença para matar reputações, com compromiss­o apenas com as suas “convicções” descoladas da verdade.

Isso, definitiva­mente, não é jornalismo: é delírio.

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