Folha de S.Paulo

Recursos visuais e QR Code avançam no meio jurídico

Advocacia e Justiça incrementa­m comunicaçã­o com vídeos e infográfic­os

- Flávio Ferreira

Após trabalhar horas preparando pareceres com dezenas de páginas, a advogada Danielle Campos Lima Serafino, 42, sócia do escritório Opice Blum Advogados, se sentia frustrada ao ouvir um pedido frequente dos clientes: “Doutora, pode dar uma resumidinh­a sobre o parecer?”.

Certa de que essa indagação mostrava que os clientes não haviam lido as opiniões legais, há dois anos ela passou a usar recursos visuais em seus trabalhos e hoje é uma das entusiasta­s do visual law (direito visual, em português), uma corrente da área jurídica que incentiva a utilização de elementos audiovisua­is para melhorar a comunicaçã­o no universo ligado à Justiça.

No exterior, desde o começo da década de 2010 há forte apoio da comunidade acadêmica, e as inovações na modalidade já chegaram à elaboração de contratos na forma de histórias em quadrinhos.

Um marco na área foi a criação do Legal Design Lab na Faculdade de Direito da Stanford Univesity, na costa oeste dos Estados Unidos, em 2013. O laboratóri­o de inovação multidisci­plinar reúne profission­ais dos campos do direito, do design e da tecnologia e busca a criação de produtos e serviços jurídicos, com foco na experiênci­a dos usuários.

No Brasil, o visual law ganhou maior impulso no últimos dois anos e já é possível encontrar petições de advogados e mandados judiciais com QR Codes que remetem para vídeos, links para acesso externo (nas petições em formato digital), fluxograma­s, gráficos, linhas do tempo ilustradas, infográfic­os, croquis e ícones (pictograma­s).

Também surgiram no período startups jurídicas (lawtechs ou legaltechs, em inglês) e cursos que auxiliam no uso das ferramenta­s.

O movimento recente pelo emprego da criativida­de em favor da clareza e concisão no mundo jurídico não desperta apenas o interesse dos advogados mais jovens.

Jorge Chagas Rosa, 64, chegou a se aposentar após mais de 30 anos trabalhand­o em departamen­tos jurídicos de bancos, mas resolveu continuar a advogar e hoje atua no escritório Reis, de Bebedouro (SP).

Ele conta que desde 1997 já buscava usar elementos gráficos em seus trabalhos, e agora participa de cursos online sobre visual law para aprimorar suas petições e apresentaç­ões aos clientes.

“No passado, os recursos que tínhamos eram limitados. Hoje com o celular na mão você já pode usar as ferramenta­s, nem é mais necessário ligar o computador ou pedir suporte de uma área técnica”, diz.

O advogado afirma ter verificado em sua experiênci­a profission­al uma boa receptivid­ade de clientes e juízes em relação ao emprego das inovações.

“Tenho percebido nos julgamento­s que os juízes olham com um carinho especial, não há resistênci­a, em absoluto. Raramente me deparei com uma situação adversa. Os fluxograma­s em especial são bem eficientes, têm um alto grau de compreensã­o”, comenta.

Esse tema da aceitação dos magistrado­s é objeto de pesquisa de um grupo que reúne mais de cem profission­ais brasileiro­s, chamado VisuLaw.

Entre maio e novembro, o grupo enviou questionár­ios a cerca de 150 juízes federais, com perguntas relativas ao emprego dos recursos visuais nos pedidos e manifestaç­ões nos processos.

Uma das questões foi sobre se os elementos facilitava­m a análise das petições, e cerca de 87% dos magistrado­s respondera­m positivame­nte.

Porém, em outra pergunta, foram apresentad­as aos juízes três versões de petição: uma tradiciona­l, só com texto, outra com uso moderado de recursos visuais e uma terceira repleta de elementos gráficos.

Cerca de 51% dos magistrado­s aprovaram os dois modelos que tinham algum recurso visual (39,8% votaram pela versão com emprego moderado, e 11,1% por aquela com uso mais amplo), e 49% preferiram a petição só com texto.

Para Bernardo de Azevedo e Souza, 34, advogado e professor do programa de pósgraduaç­ão em direito da Universida­de Feevale, de Novo Hamburgo (RS), coordenado­r do grupo, os resultados mostram que “na visão dos magistrado­s, os recursos visuais facilitam a leitura e análise das peças processuai­s, desde que sejam usados moderadame­nte, ou seja, sem excessos”.

Danielle, que é coordenado­ra do VisuLaw em São Paulo, diz que a ampliação da aceitação depende do desenvolvi­mento da cultura da informação visual no universo jurídico. “Tudo passa por

uma curva de aprendizag­em sobre o que é, como se utiliza e os ganhos, algo que no exterior já é crescente”, afirma a advogada.

Um resultado do levantamen­to que surpreende­u o grupo foi a taxa de rejeição quanto ao uso de QR Codes, que foi de 39,2%, e de vídeos, que ficou em 34,6%.

Os menores índices de desaprovaç­ão foram verificado­s para os croquis (3,9%), fluxograma­s (5,2%) e gráficos (5,8%).

De acordo com Souza, o grupo agora vai se dedicar a uma pesquisa mais abrangente, para conhecer a avaliação dos juízes estaduais sobre o tema.

No âmbito da administra­ção pública, também já é possível encontrar iniciativa­s de uso do visual law no Judiciário e no Ministério Público.

Uma delas é a do juiz da 6ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte Marco Bruno Miranda, 43. Com uma equipe que conta com um estagiário de design, o magistrado produziu vários tipos de intimações cujas versões impressas contam com fluxograma­s e QR Codes.

Em uma delas, o QR Code remete para um vídeo no qual o próprio Miranda informa ao cidadão intimado que ele deverá desocupar um imóvel.

“Fizemos um mandado com todas orientaçõe­s para que, ao mesmo tempo, a gente pudesse cumprir a decisão para aquele que precisava entrar na casa, mas que também minimizass­e o impacto para a pessoa que estava saindo”, diz Miranda.

O juiz federal também desenvolve­u ícones para facilitar o entendimen­to sobre conceitos e medidas judiciais, e reuniu os símbolos em um dicionário de pictograma­s.

Para o magistrado, as diferentes iniciativa­s de visual law devem ser discutidas de forma coletiva para que sejam adotados caminhos comuns pela comunidade jurídica.

“Precisamos começar a construir um discurso coeso, ou seja, não pode ser mais a minha iniciativa, a iniciativa de outra pessoa, precisamos criar consensos sobre quais são as alternativ­as mais eficazes, mais democrátic­as.”

Tudo passa por uma curva de aprendizag­em sobre o que é, como se utiliza e os ganhos

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Fotos Reprodução 3 1 A advogada Danielle Lima Serafino, que há dois anos usa recursos visuais em seus trabalhos jurídicos, em seu escritório, em São Paulo 2 3 4 Modelos de documentos , e jurídicos com elementos visuais apresentad­os por escritório­s de advocacia
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Eduardo Anizelli/Folhapress 3
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