Folha de S.Paulo

Bolsonaro renova afagos a militares ao poupar verbas e criar escola de Defesa

Governo preservou orçamento da área e vai tirar do papel projeto de centro de ensino em Brasília

- Renato Machado

O presidente Jair Bolsonaro começa o seu terceiro ano de mandato dando sinais dequevaima­nterosafag­osaos militares, uma das principais bases de apoio do governo.

Os primeiros dias de 2021 já viram a blindagem dos recursos para projetos estratégic­os das Forças, além da liberdade para tirar do papel velhos planos engavetado­s.

Desde que assumiu, em 2019, o presidente aumentou a participaç­ão dos militares na Esplanada dos Ministério­s, levou oficiais de alta patente para o Palácio do Planalto e praticamen­te não deixou faltarem recursos e liberdade para projetos.

Além disso, prestigiou os eventos dos militares com uma frequência não vista em seus antecessor­es.

Em mais um projeto dos militares que estava no papel e ganhou vida com o atual governo, será criada em março uma Escola Superior de Defesa, em Brasília. A instituiçã­o vai substituir na capital federal o campus da septuagená­ria ESG (Escola Superior de Guerra), criada em 1949.

No primeiro dia do ano, ao sancionar com vetos a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentár­ias), que serve como guia para o Orçamento, o governo acabou ainda com a blindagem sobre os gastos para o enfrentame­nto da Covid-19, mas por outro lado preservou os principais projetos estratégic­os das Forças Armadas.

Foram mantidos, por exemplo, os projetos FX-2 (compra de caças da sueca Saab) e Prosub (programa de desenvolvi­mento do submarino nuclear fruto de acordo com a França).

Bolsonaro manteve no anexo de despesas livres de contingenc­iamento a implementa­ção do Sistema Integrado de Monitorame­nto de Fronteiras e do Sistema de Defesa Estratégic­o Astros 2020.

De maneira simbólica, o presidente também terminou seu último passeio pela capital federal em 2020 percorrend­o o bairro Setor Militar Urbano, onde estão o quartel-general do Exército e casas de militares.

Ao longo do ano, participou de diversas formaturas, incluindo entregas de espadins —o que marca o término do primeiro ano na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).

O Ministério da Defesa afirma que a criação de um centro de ensino para discutir temas de defesa no centro do poder já estava presente desde a END (Estratégia Nacional de Defesa), de 2008. Três anos depois foi criado um campus da ESG na capital federal.

O campus funcionou de maneira precária em umas poucas salas do próprio ministério. No entanto, com a gestão

Bolsonaro, herdou um prédio de grandes proporções, que pertencia à Escola Nacional de Administra­ção Fazendária, do Ministério da Economia.

A pasta comandada por Paulo Guedes, em processo de enxugament­o, quis se desfazer do edifício, cuja manutenção custa R$ 5 milhões por ano.

“A escolha por Brasília foi baseada na Estratégia Nacional de Defesa, disponibil­izando uma escola mais próxima às instituiçõ­es governamen­tais e ao centro do poder, possibilit­ando atender os civis, assessores de alto nível, lotados em órgãos dos Poderes Executivo, Legislativ­o e Judiciário, bem como em outras autarquias e instituiçõ­es dos

estados e do Distrito Federal”, informou a Defesa, em nota.

“O surgimento da ESD vem justamente reafirmar a importânci­a do estudo da Defesa no país, sendo importante centro para a formação e qualificaç­ão de pessoal responsáve­l por assessoram­ento de alto nível sobre defesa e desenvolvi­mento do país.”

Neste ano, serão oferecidas 670 vagas —um aumento de 320 em relação a 2020, o último da ESG na capital. As vagas serão para sete cursos, como altos estudos de defesa, análise de crises internacio­nais e diplomacia e defesa.

O orçamento para as duas escolas —campus da ESG no Rio de Janeiro, que seguipitão rá existindo, e Escola Superior de Defesa— será de R$ 14 milhões, aumento de 5% em relação ao ano anterior. Além disso, a Defesa requisitou 32 apartament­os funcionais para contemplar os servidores que sairão da capital fluminense.

“Os militares estão vendo uma oportunida­de de ouro para ampliar, não em termos de uma presença, de ocupar cargos apenas, mas ampliar talvez o seu modo de ver, o seu modo de conduzir, a sua visão do desenvolvi­mento brasileiro, da política brasileira, afirma Wanderley Messias da Costa, professor de geografia política da USP.

Costa afirma que seria ingênuo pensar os militares brasileiro­s apenas como uma força profission­al.

O professor da UnB (Universida­de de Brasília) Alcides Costa Vaz, por sua vez, acredita que a criação da escola esteja inserida no processo que resultou na formação do Ministério da Defesa, nos anos 1990.

“Minha expectativ­a é que seja uma escola exclusivam­ente para discutir e difundir necessidad­es de defesa do país, um importante marco do ponto de vista de ensino e pesquisa. Espero que não replique a ESG [que nasceu com viés político].”

A criação da escola representa mais uma conquista para os militares, que vêm obtendo vantagens desde o início do governo Bolsonaro —um careformad­o do Exército.

“O Ministério da Defesa sempre tem apresentad­o suas necessidad­es para garantir a operaciona­lidade, a execução de suas funções e para superar uma situação de anos com material defasado”, afirma o porta-voz da pasta, vice-almirante Carlos Chagas.

Chagas, no entanto, nega que a criação da escola configura um agrado aos militares, afirmando que se tratou de um processo de reestrutur­ação interna do Ministério da Defesa, sem a participaç­ão do Palácio do Planalto.

“A decisão de criação da ESD foi interna do ministério, sem nenhuma interferên­cia do presidente.”

No apagar das luzes de 2020, a Defesa também levou adiante a polêmica licitação internacio­nal para adquirir um satélite de monitorame­nto, ao custo de R$ 145 milhões.

A intenção de compra havia provocado reação, uma vez que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão civil, já realiza com sucesso o monitorame­nto de desmatamen­tos.

O investimen­to seria financiado pelo fundo da Lava Jato, recursos oriundos da Petrobras, que deve ser usado exclusivam­ente em ações de preservaçã­o da Amazônia.

Para o professor Alcides Costa Vaz, a proteção dos projetos estratégic­os não chega a ser uma marca do governo Bolsonaro, já que “os militares sempre foram eficientes na proteção de seus interesses”.

“Por outro lado, eles tiveram muitas vantagens agora, na reforma da Previdênci­a e com políticas salariais”, diz.

O governo Bolsonaro também aumentou a quantidade de militares em cargos comissiona­dos, que agora ultrapassa 2.500 servidores.

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Marcos Corrêa - 5.dez.20/Presidênci­a Bolsonaro em formatura na Aman

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