Folha de S.Paulo

Com Jon Ossoff, millenials vão ao Senado dos EUA pela primeira vez

Democrata de 33 anos apresenta-se como voz de jovens e já foi assessor político e produtor de documentár­ios

- Rafael Balago

O democrata Jon Ossoff, 33, é o mais jovem a ser eleito senador dos EUA em décadas. Ele, que será o primeiro membro da geração millenial a chegar ao Senado, nasceu em 1987, cresceu na época em que a internet se disseminou e tirou proveito do mundo digital para chegar ao poder.

Ossoff foi eleito pela Geórgia em votação de segundo turno realizada na terça (5), uma disputa que ganhou muita importânci­a porque garantiu aos democratas­ocontroled­oSenado.

Na campanha, colocou-se como um porta-voz das novas gerações progressis­tas ao defender a manutenção do direito ao aborto, a ampliação do acesso à saúde, a redução de impostos para a classe média e o aumento do salário mínimo.

O novo senador também promete trabalhar por uma reforma judicial que reduza as prisões por crimes pequenos —como porte de drogas—, além de defender a desmilitar­ização das polícias e a adoção de energias limpas.

O perfil de millenial, expresso numa campanha feita com força no TikTok, rede social na qual vários dos vídeos do senador eleito superam 1 milhão de visualizaç­ões, contrasta com o de seu rival na disputa, David Perdue, 71.

Chamado de radical de esquerda pelo republican­o, Ossoff também ouviu, ao longo de sua trajetória, comentário­s de que suas conquistas só foram possíveis porque ele veio de uma família rica.

Seu pai, Richard Ossoff, um judeu de origem russa, é dono da Strafford, empresa que vende cursos online para advogados. E sua mãe, a australian­a Heather Fenton, criou uma entidade para ajudar a eleger mulheres na Geórgia.

Nascido em Atlanta, Ossoff se envolveu com a política desde cedo. Aos 16, escreveu para John Lewis (1940-2020), um dos principais ativistas da luta dos negros pelos direitos civis, e pediu para trabalhar como voluntário em seu gabinete.

Lewis se lembrou de experiênci­a similar que teve com Martin Luther King (1929-1968) e aceitou o pedido. A Geórgia é um dos estados do Sul dos EUA, região onde havia segregação racial até os anos 1960.

“Não temos que aceitar que a pobreza, o racismo ou a violência são inevitávei­s ou necessário­s. Podemos sonhar mais alto. Nós podemos sonhar —e construir— a amada comunidade pela qual [Martin Luther] King e [John] Lewis nos exortaram a lutar”, escreveu Ossoff nas redes sociais, após ser eleito senador.

Na mesma época em que se aproximou de Lewis, conheceu a obstetra Alisha Kramer, colega de ensino médio com quem se casou.

Em 2006, aos 19 anos, Ossoff buscou trabalho na campanha de Hank Johnson, democrata que disputava o cargo de deputado pela Geórgia. Apesar de muito jovem, ele foi aceito por trazer ideias de como usar blogs e redes sociais.

Johnson foi eleito, e Ossoff passou a trabalhar no gabinete do deputado, no qual ficou por cinco anos. Ao mesmo tempo, o jovem assessor estudava na Universida­de Georgetown, também em

Washington. Depois de se formar, em serviço exterior, foi para o Reino Unido e fez um mestrado na prestigios­a London School of Economics.

Aos 26 anos, em 2014, Ossoff foi contratado para dirigir a Insight TWI, pequena produtora britânica de documentár­ios e reportagen­s investigat­ivas. Ele não tinha experiênci­a jornalísti­ca além de um estágio, mas conhecia o dono da empresa.

Segundo o New York Times, ele investiu cerca de US$ 250 mil (R$ 1,36 milhão no câmbio atual) na produtora, avaliada atualmente entre US$ 1 milhão (R$ 5,42 milhões) e US$ 5 milhões (R$ 27,1 milhões) — Ossoff possui 75% das ações.

Durante sua gestão, passou a contratar mais jornalista­s locais em vez de enviar repórteres estrangeir­os. A empresa fez trabalhos sobre crimes de guerra do Estado Islâmico e esquadrões da morte na África, e algumas das produções foram exibidas pela BBC.

Em 2017, aos 29 anos, Ossoff voltou à política, agora para fazer a própria campanha. Decidiu concorrer a uma vaga de deputado pela Geórgia, em uma eleição fora de época. Nos EUA, cada parlamenta­r representa um distrito, e a região em disputa, um subúrbio de Atlanta, era considerad­o um feudo republican­o.

A campanha ocorreu nos primeiros meses do mandato de Donald Trump e foi o primeiro embate nas urnas entre os partidos depois da derrota democrata no pleito de 2016.

Ossoff teve apoio de Lewis, Stacey Abrams e Bernie Sanders e conseguiu uma grande arrecadaçã­o: cerca de US$ 25 milhões (R$ 135,5 milhões) em doações, valor recorde para campanhasp­arlamentar­es.Porém, perdeu em segundo turno para a republican­a Karen Handel, que teve 51,2% dos votos.

Apesar da derrota, Ossoff chamou a atenção pela arrecadaçã­o e por ter conseguido aumentar o comparecim­ento às urnas, especialme­nte de jovens e eleitores não brancos.

Em 2018, preferiu não disputar as eleições regulares. Em 2020, então, tentou o Senado. No primeiro turno, em 3 de novembro, Ossoff teve 47,95% dos votos, atrás de Perdue, que teve 49,73% e buscava a reeleição. Assim, sem que ninguém atingisse 50%, foram à segunda rodada.

Novamente, a disputa na Geórgia passou a ter importânci­a nacional,masagoraai­ndamais forte: o partido que vencesse ali conquistar­ia o controle do Senado. Havia duas cadeiras em disputa e, além de Ossoff, odemocrata­RaphaelWar­nock também ganhou, o que fez comqueosde­mocratasco­ntrolem a Casa ao menos até 2023.

De novo, Ossoff bateu recorde de doações: arrecadou US$ 106,7 milhões (R$ 578,3 milhões) até meados de dezembro, o que tornou sua campanha a mais cara já feita ao Senado na história.

Com a vitória, ele terá seis anos de mandato. Sua conquista lembra a de Joe Biden, eleito senador pela primeira vez em 1972, aos 29 anos. Biden ficou por décadas na Casa, para depois ser vice de Obama e conquistar a Presidênci­a aos 77 anos. Se mantiver o ritmo que seguiu até agora, Ossoff deve tentar movimentos mais ousados em muito menos tempo.

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Chip Somodevill­a - 4.jan.21/Getty Images/AFP Jon Ossoff participa de comício no Centerparc Stadium, em Atlanta, na Geórgia

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