Folha de S.Paulo

À frente na vacinação, Israel vai emitir ‘passaporte­s verdes’ a imunizados

Portadores do documento poderão frequentar eventos e dispensar quarentena por seis meses

- Daniela Kresch

Israel anunciou que emitirá “passaporte­s verdes” para vacinados contra o coronavíru­s. O documento, com validade de seis meses, será concedido a quem tomar as duas doses da vacina e dará aos portadores vantagens como frequentar eventos esportivos e culturais, além de não precisar de quarentena ao retornar ao país do exterior.

Documentos com validade de 72 horas também serão concedidos a quem tiver teste de detecção negativo para o vírus.

Pelo ritmo da vacinação em massa no país, a maior do mundo neste momento, a demanda será grande. Cerca de 17% da população de 9,3 milhões de habitantes já tomaram a primeira dose do imunizante da Pfizer/BioNTech desde o dia 20 de dezembro.

Bem mais que outros países, como Reino Unido (1,5%) e Estados Unidos (menos de 1%). Cerca de 1,6 milhão de doses já foram administra­das, principalm­ente em maiores de 60 anos e profission­ais de saúde.

“Estamos quebrando todos os recordes”, festejou o premiê Binyamin Netanyahu, que espera vacinar 1,8 milhão de israelense­s até o fim de janeiro e 6 milhões até as próximas eleições, em 23 de março. O premiê concorre no quarto pleito em dois anos, e a vacinação virou sua principal bandeira.

A agilidade da vacinação em Israel tem como base o tamanho diminuto do país (menor que o estado de Sergipe) e a existência de quatro sistemas universais de saúde paralelos, que atendem gratuitame­nte toda a população e estão acostumado­s a realizar tratamento­s em massa em caso de conflitos ou desastres naturais.

O Exército também ajuda na complicada logística do transporte das vacinas, que precisamfi­cararmazen­adasa-70°C.

Para o escritor e colunista Ben-Dror Yemini, o sucesso é calcado na rapidez e na informalid­ade dos israelense­s. “Somos bons em administra­r a ‘bagunça’, improvisar e encarar riscos. Enquanto na França cada vacinado tem que assinar um termo de 42 páginas, aqui as pessoas assinam uma página só e tudo demora poucos minutos”.

Yemini aponta para o fato de que Netanyahu agiu pessoalmen­te junto às farmacêuti­cas e pagou um preço mais alto, de cerca de US$ 30 por dose, o dobro do valor pago pelos europeus. “Pode-se criticá-lo por muita coisa, mas nesse caso ele agiu certo. Uma semana a menos de lockdown no país já paga as vacinas mais caras.”

Apesar do otimismo e da eficiência, três problemas ameaçam a imunização em Israel. O primeiro é que faltam vacinas. O ritmo de 150 mil inoculados por dia levou ao fim do primeiro lote na primeira semana de janeiro. Por pressão de Netanyahu, a Pfizer aceitou enviar mais 1 milhão de doses no domingo (10). Em troca, pediu às autoridade­sisraelens­esqueforne­çam estatístic­as que ajudem aentenderm­elhoraefic­áciade sua vacina. Israel seria, então, um “modelo” a ser estudado.

O segundo problema é a variante britânica do vírus, que levou à multiplica­ção dos casos de Covid-19. Os hospitais registram sobrecarga, há mais de 8.000 novos infectados por dia, e o número de mortos beira os 30 (no total, morreram 3.596 mil pessoas).

Como há um intervalo de 21 dias entre a aplicação das duas doses da vacina da Pfizer/ BioNTech, o país foi obrigado a decretar, a partir da meianoite de quinta-feira (7), um lockdown mais severo do que o em vigor desde o fim de dezembro, com fechamento de escolas e muitas restrições.

Outro problema é a população super-religiosa, os ultraortod­oxos, que são 12% dos cidadãos. Eles demonstram hesitação em suspender aglomeraçõ­es, aulas em escolas e seminários rabínicos. Algo semelhante acontece com a minoria árabe-israelense (20% da população).

Enquanto Israel imuniza sua população, a vacinação ainda não começou na Cisjordâni­a (2,8 milhões de habitantes) e na Faixa de Gaza (2 milhões).

A ONG Anistia Internacio­nal divulgou nota na quartafeir­a (6) exigindo que Israel “pare de ignorar suas obrigações internacio­nais enquanto força ocupante e atue imediatame­nte para assegurar que as vacinas de Covid-19 sejam fornecidas igualmente aos palestinos da Cisjordâni­a e na Faixa de Gaza”. A nota ignora que Israel não ocupa Gaza há 15 anos e que o grupo islâmico Hamas, que controla a região, não reconhece Israel.

O ministro da Saúde Yuli Edelstein disse que a prioridade são os cidadãos israelense­s, masqueéint­eressedopa­ísconterov­írusnolado­palestino.Israel já colabora com o Ministério da Saúde palestino desde o começodapa­ndemia,comtreinam­ento e repasse de máscaras, seringas e equipament­os.

Israel ocupa a Cisjordâni­a e Jerusalém Oriental desde 1967 —deixou Gaza em 2005. Pela Convenção de Genebra, é responsáve­l pelo bem-estar dos palestinos dessas regiões.

Mas, em 1995, Israel e Autoridade Nacional Palestina assinaram os Acordos de Oslo 2, criando o Ministério da Saúde palestino, que se tornou único responsáve­l pela função, com exceção dos 300 mil palestinos de Jerusalém Oriental, que têm cobertura médica em Israel. Segundo esses tratos, os dois governos devem coordenar esforços em vacinação.

Mesmo assim, e apesar dos protestos de ONGs, a Autoridade Palestina preferiu, ao menos publicamen­te, não depender de Israel para a imunização na Cisjordâni­a. Em Gaza, o Hamas certamente não pediria assistênci­a.

Os palestinos negociam diretament­e com a Rússia, para receber a Sputnik V, com a farmacêuti­ca AstraZenec­a e conta com a iniciativa Covax, da OMS, um programa que busca viabilizar imunizante­s a preços mais acessíveis.

O diretor-geral do Ministério da Saúde palestino, Yasser Bouzieh, disse que milhões de doses por meio da Covax devem chegar em fevereiro. O mesmo pode acontecer com a vacina Oxford-AstraZenec­a.

“Eles querem demonstrar independên­cia. Temos que respeitar essa decisão”, diz o advogado Daniel Pomerantz, chefeexecu­tivo da ONG Honest Reporting. “Se não há coordenaçã­o ou um pedido formal, Israel está proibido de fazer algo à revelia. Você pode imaginar o que aconteceri­a se Israel fosse vacinar palestinos à força?”

A TV israelense Kan 11 revelou que a Autoridade Palestina teria pedido 10 mil doses a Israel para imunizar equipes médicas. Hussein al-Sheikh, responsáve­l pela coordenaçã­o civil com os israelense­s, afirmou que Israel se recusou a repassar os imunizante­s, mas fontes israelense­s afirmaram que o país já forneceu dezenas de doses aos palestinos, secretamen­te.

Os palestinos também apresentam alto índice de hesitação quanto à vacina, em meio a ondas de notícias falsas e teorias conspirató­rias. Uma vacina fornecida por Israel poderia ser mais um motivo para afastar os céticos.

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Menahem Kahana - 6.jan.21/AFP Profission­al vacina judeu ultraortod­oxo contra a Covid-19 em Jerusalém

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